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A Paixão Segundo GH

Review mil atrasada, parte 893794.


A Paixão Segundo GH é mais um livro escrito em stream of consciousness. É a descrição de uma crise existencial de uma escultora, apenas conhecida como GH, o monograma nas suas malas de viagem, e a descrição do dia em que decide entrar no quarto da sua empregada interna que foi embora e descobre uma barata.

Estou tão assustada que só poderei aceitar que me perdi se imaginar que alguém me está dando a mão.

Ao descobrir a barata, GH começa um monólogo sobre o seu nojo pela espécie e, num laivo de coragem, tenta matá-la ao entalá-la na porta de um armário. Isto não corre exactamente bem, resultando apenas num ferimento e não na morte do bicho. GH senta-se a contemplá-la e aqui colapsa toda a sua noção de humanidade e da sua própria identidade.

O erro é um dos meus modos fatais de trabalho.

Este livro não é para qualquer um. Achei muito bom, mas não "gostei" exactamente do que li e consigo ver muita gente a odiar. É daqueles livros que acho que receberá opiniões nos extremos opostos: ou se ama ou se odeia. Não dá para perceber muito bem sobre o que GH fala, ou para quem ela fala - e eventualmente torna-se claro que nem ela o percebe, nem ela sabe o que fazer com o que lhe aconteceu.

Como se explica que o meu maior medo seja exatamente o de ir vivendo o que for sendo?

Há muitas frases e excertos dos quais gostei, e que percebi, mas muitas vezes parecia que GH estava num monólogo interior a ver se se conseguia perceber a si mesma, à cama onde estava sentada, à barata a expelir as suas entranhas na porta do armário. Será que a barata morreu? Baratas alguma vez morrem?

Tu eras a pessoa mais antiga que eu jamais conheci. Eras a monotonia de meu amor eterno, e eu não sabia. Eu tinha por ti o tédio que sinto nos feriados. O que era? era como a água escorrendo numa fonte de pedra, e os anos demarcados na lisura da pedra, o musgo entreaberto pelo fio d'água correndo, e a nuvem no alto, e o homem amado repousando, e o amor parado, era feriado, e o silêncio no voo dos mosquitos. E o presente disponível. E minha libertação lentamente entediada, a fartura, a fartura do corpo que não pede e não precisa.

Não acontece muito neste livro, e não é a leitura mais agradável. É uma amálgama de frases cujo objecto não é explícito, é uma linguagem pouco convencional. Não tem praticamente qualquer acção, fora a questão da barata - fora isso é um monólogo, uma crise existencial, uma tentativa de perceber o mundo, de perceber qualquer coisa.

4/5

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. Respostas
    1. Também adorei, Carlos! É aquele adorar desconfortável - não sei explicar. Comprei entretanto "Laços de Família", da autora, mas ainda não lhe peguei.

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