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Historias de adormecer para raparigas rebeldes

Andava há que tempos num vai-não-vai para comprar este livro (bem como o segundo volume).


No meio de tamanha indecisão (indecisão essa que se prendeu muito com o preço, confesso), e com o advento da biblioteca municipal na minha vida, decidi trazê-lo comigo desde a Biblioteca Municipal de Belém.

O livro consiste em 100 mini biografias de mulheres fortes, inspiradoras, algumas das quais mudaram o mundo, e cada biografia é de certo modo escrita como um conto de fadas - um pouco como "era uma vez". É um livro um pouco Estados-Unidos-cêntrico, como eu esperava, mas traz exemplos do resto do mundo, muitos dos quais eu desconhecia, como desportistas contemporâneas, rainhas tribais e imperatrizes asiáticas, e isso impressionou-me bastante.

Frida Kahlo por Helena Morais Soares, Eufrosina Cruz por Paola Rollo

A estrutura do livro é, portanto, "biografia" numa página, ilustração na outra. Mais que biografias, são histórias; as datas de nascimento e de morte e país das mulheres são mencionadas no fim da página da biografia. Na ilustração há uma citação da mulher em causa, e algumas das citações são mais inspiradas que outras; é de notar que o livro não teve uma única ilustradora, mas várias, com origens também variadas - uma delas, Helena Morais Soares, é portuguesa. As ilustrações são maravilhosas.

Muitas das histórias relatam os entraves que as várias mulheres enfrentaram pelo simples facto de serem mulheres; são histórias criativas, que, não sendo brilhantes, dão visibilidade a várias mulheres, muitas das quais, arrisco, desconhecidas do público geral. E a visibilidade é, obviamente, fundamental, especialmente tendo em conta que a história fala muito pouco das mulheres.

Maud Stevens Wagner por Giulia Flamini, Ameenah Gurib-Fakim por Geraldine Sy

O título diz que as histórias são para raparigas rebeldes, mas o livro será relevante para rapazes (e homens!) também, porque todos devemos ler sobre mulheres inspiradoras. Especialmente quando estas vêm de mundos, épocas, religiões, capacidades, sexualidades e etnias tão diferentes, tendo em comum "apenas" a força e a coragem.

Os meus problemas com este livro prendem-se com a falta de precisão e rigor de algumas histórias... se, por exemplo, acho normal não irem a detalhes na desgraça que assolou a vida de Artemisia Gentileschi, dado o público alvo ser infantil, Grace O'Malley não foi só pirata, mas rainha pirata, e foi tanto de um engenho como de uma crueldade imensas; e, se isto até é perdoável (falar só no lado inspirador, dado que este é um livro infantil), há erros crassos, como dizer que as irmãs Mirabal foram todas proibidas de exercer advocacia, (o livro diz que todas o faziam; no entanto, uma delas nunca estudou, uma outra estudou matemática - e apenas uma das quatro irmãs, Minerva, era advogada). Por outro lado, até compreendo não mencionarem o homicídio de que três delas foram vítimas...

Yaa Asentwaa por Noa Snir, Artemisia Gentileschi por Monica Garwood

O outro problema é o facto de algumas mulheres serem escolhas um bocado... estranhas. Grace O'Malley é uma delas, mas mais premente é Aung San Suu Kyi, a vencedora do Nobel da Paz que está a permitir um massacre no Myanmar, país do qual é agora chefe de governo... também Margaret Thatcher ou Joan Jett são controversas. E vários pedaços mais controversos das histórias destas mulheres foram retirados da narrativa... de forma a que alguns pontos importantes foram deixados de fora, e alguns que me parecem pouco importantes foram incluídos. Algumas biografias parecem mais episódios e não têm grande estrutura. A página da Jane Austen também é aborrecida, infelizmente... falaram da Alek Wek, mas preferiria a Iman. E cadê Jeanne d'Arc?

Jacquotte Delahaye por Rita Petruccioli, Coco Chanel por Karolin Schnoor, Ada Lovelace por Elisabetta Stoinich

Fiquei no entanto com muita curiosidade sobre muitas mulheres. Sonita Alizadeh, rapper afegã. Alfonsina Strada, ciclista. Ruth Bader Ginsburg, juíza do supremo tribunal norte-americano. Margaret Hamilton, engenheira informática. Manal Al-Sharif, activista pelos direitos das mulheres. Ameenah Gurib-Fakim, cientista e antiga presidente das Maurícias...

4/5 apesar disto tudo. E quero comprar o livro. E o segundo volume. Possivelmente em inglês...

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. Não sei explicar, mas há algo neste livro que não me convence. É necesssário, tem valor, mas ao mesmo tempo parece-me forçado. Talvez um dia o traga para ver as ilustrações e dar uma vista de olhos nas senhoras que não conheço.
    Quanto ao facto de ter figuras mais controversas, acho que acaba por ser natural. Às vezes, as mulheres são como os homens: ficam para a História pelas razões erradas. Se uma imperatriz declarar guerra a outro país, é um ato de rebeldia? Uma dissidente é uma rebelde, mas depois permite um genocídio? Pois, não sei, tenho dúvidas...
    Paula

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    Respostas
    1. Compreendo bem a reticência, Paula! É um livro do qual gostei mais pela possibilidade de conhecer novas mulheres e personagens, e pelo valor (em abstracto) que tem. As ilustrações também valem muito a pena. Muitas das mulheres, no entanto, não ficaram exactamente na História... algumas são atletas contemporâneas (e nem falo na Serena Williams, embora ela também lá figure, mas surfistas brasileiras, etc). Aproveita que há na biblioteca, em suma! :)

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  2. O livro deve ser bem fixe mesmo
    Gosto tanto da Frida
    'E a visibilidade é, obviamente, fundamental, especialmente tendo em conta que a história fala muito pouco das mulheres.' sem dúvida, já falámos disso tantas vezes
    As ilustrações que metes aqui como exemplo são excelentes, muito bonitas e engraçadas
    "Humble plants hide surprising secrets", não conheço a mulher mas a citação é incrível
    'O título diz que as histórias são para raparigas rebeldes, mas o livro será relevante para rapazes (e homens!) também, porque todos devemos ler sobre mulheres inspiradoras.' again, concordo perfeitamente
    Em relação às incoerências ou ao facto de só ser contado o lado bom é que já não gosto, estão a cair no mesmo erro de tantos quando tinham uma boa oportunidade para fazer algo melhor
    O facto de incluirem a Aung San Suu Kyi é triste
    A citação da Coco Chanel é muito boa
    A Ruth Bader Ginsburg é um clássico
    A Alfonsina Strada já conheciaaaaas
    Gostei do post, tal como muitos livros - e estou a dizer isto enquanto pessoa que não leu este livro em particular e que se está apenas a basear no que leu do teu post - a ideia é meritória e muito boa mesmo mas depois parece pecar pela falta de rigor que é uma coisa que me faz sempre imensa espécie, mais valia falarem em menos mulheres mas das que falam falarem mais e melhor (melhor meaning, de forma mais completa, seja o lado bom seja o seu lado mau das mulheres em causa)

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    1. Tenho de te emprestar o meu livrinho da Frida, review para breve :p

      Sim, é verdade! Parte da graça deste livro é ter tanta gente de quem nunca tinha ouvido falar, pessoas que fizeram coisas diferentes ou importantes - e mais que isso, eram mulheres!

      Há muitas ilustrações muito boas no livro, vale sem dúvida por isso mesmo :p e pelo potencial de inspiração para qualquer pessoa que o leia, é claro!

      Sim, concordo perfeitamente - a forma como certas histórias são contadas não é a melhor... ou algumas das personagens escolhidas. A história da Grace O'Malley é, na minha opinião (li mais sem ser este livro, e já conhecia a sua história), absolutamente fascinante, mas que ela foi cruel, foi, por exemplo.

      Já conhecia a Alfonsina? :o de onde? :$

      Acho piada como curtes da Coco :p

      Muito obrigada :p sim, peca muito pela falta de rigor e preferia melhor conteúdo às histórias de algumas que parecem ser meio para encher. Não sei, por causa disso, o que esperar do segundo volume... mas gostei muito do conceito, no geral, e acho que vale a pena! O livro da Pénelope Bagieu, por exemplo, é muito mais rigoroso na história, apesar do humor utilizado.

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    2. Enviaste-me faz uns tempos uma imagem pelo whatsapp do início de um texto que estavas a ler sobre ela! Acho que o livro não era só sobre ela
      Quando te referes ao livro da Pénelope Bagieu estás a falar do 'As Destemidas' certo?

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    3. Ah, a imagem era precisamente deste livro :p não a conhecia antes!
      Sim, As Destemidas, esse grande livrinho que me emprestaste :p

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  3. A booktuber The Phoenix Flight ofereceu-me dessa colecção a versão para rapazes e os livros são mesmo um máximo!

    Beijinhos,
    O meu reino da noite
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    1. Que bela prenda! :) tenho imensa curiosidade para ler a versão dos rapazes também :) beijinhos!

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