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The Country Girls

Desafio de Março: ler um clássico escrito por uma mulher.


Tinha muitos candidatos para esta categoria na estante, tendo a selecção saído da ajuda do público (comecei a enumerar livros passíveis de encaixar e o meu namorado escolheu este). The Country Girls é o primeiro livro de uma trilogia, escrita nos anos de 1960, e a cujas sequelas estou a dar seguimento.

A Irlanda da primeira metade do século XX caracteriza-se pelo catolicismo intenso e pela forte pobreza. A família de Caithleen Brady, a protagonista e narradora, encaixa no perfil, e é profundamente disfuncional: o pai alcoólico, violento e ausente, a mãe sofredora, a quinta cada vez mais arruinada onde vivem. Os únicos consolos de Caithleen, de 14 anos, são a companhia da mãe, de Hickey, o trabalhador da quinta, e Brigitte "Baba" Brennan, a sua tóxica melhor amiga.

O mundo de Caithleen muda subitamente quando a sua mãe sai de casa, para fugir ao pai - tendo depois de ficar em casa de Baba, depois a estudar num convento e, finalmente, muda-se para Dublin, na companhia de Baba, ambas já com 18 anos.

Em The Country Girls, Edna O'Brien retrata a perda de inocência, a consciência ora infantil, ora adulta de Caithleen, desde uma manhã banal no campo até a um dia em Dublin, onde sente já ter fugido das amarras da sua infância.

Toda a narrativa joga muito com a dualidade da experiência e da inocência de Caithleen, tornando esse jogo visível nas escolhas de palavras e no modo como as memórias são relatadas. Supomos que a narradora é Caithleen, já mais velha, voltando aos dias em que era mais nova, e replicando os sentimentos e percepções da sua juventude - como quando não compreende as intenções de Jack Holland (que lhe chega a perguntar se compreender a "full implication" das suas cartas) ou mesmo as de Mr. Gentleman, que olha para as suas pernas quando ela vem de férias no Natal ("his eyes dwelt on them for a while as if he were planning something in his mind").

Há dois grandes momentos de ruptura no livro: o primeiro, quando Cait se apercebe da fragilidade da sua amizade com Baba. Baba é uma amiga tóxica clássica: não tendo muitas das capacidades da amiga, procura deitá-la abaixo e jogar com complexos de inferioridade. Mas Caithleen não consegue fugir, porque a dependência de ambas acaba por ser bilateral.

O segundo momento prende-se com Mr. Gentleman, que se torna, no fundo seu amante, um homem meio francês, de apelido impronunciável (daí o apodo), sobre cujas características físicas sabemos bastante, mas em termos de sentimentos desconhecemos. Mr. Gentleman é um homem já de meia idade, que começara a seduzir Caithleen quando esta tinha ainda 14 anos, chamando-lhe mais tarde "my country girl" - atraído pela sua inocência, possivelmente pedófilo. Mas, nisto, ela vê apenas amor.

Porque, sim - a sua vida tão protegida, tão pequena, levara Cait a criar um romantismo triste na sua cabeça, com expectativas vagas. E é dessa mentalidade que, quando Mr. Gentleman se torna numa miragem, quando a esperança no romance colapsa, Caithleen se vê forçada a sair, de um mundo idílico que havia construído para escapar a tudo o resto.

"But we want young men. Romance. Love and things," I said, despondently.

4/5

Podem comprar uma outra edição em inglês, com a trilogia completa, na wook, na Book Depository ou na Bertrand; ou este volume em português, na wook ou na Bertrand

Comentários

  1. Grande pontaria, até leste uma irlandesa no mês da Irlanda! Também tenho cá esse em casa, em PT. Estou a ler irlandeses também, para a #irishreadathon, mas nenhum deles é um clássico escrito por mulheres. :-)
    Paula

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    1. Não estava, de facto, dentro de tal desafio! Li a trilogia por sugestão do meu namorado, dentro dos vários candidatos que tinha na estante :) este vale muito a pena.

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  2. Quero muito ler, apesar de a literatura irlandesa conseguir me deixar sempre deprimida q.b. xD

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    1. James Joyce, Wilde e mais quem? :) confirmo que não é o livro mais animador - e as sequelas conseguem piorar. Mas todos os três livros são muito bons.

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    2. Jennifer Johnston - How Many Miles to Babylon?
      São só 150 páginas, mas se este livro não te deixar nem um bocadinho triste não acredito que tenhas coração xD

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  3. Bom desafio
    Escolhi este para leres porque também quero muito ler
    Entre The Country Girls e Dylan Dog a Irlanda tornou-se muito presente nas tuas leituras, recomendo leres o The Rule of the Land: Walking Ireland's Border porque tem muita piada, gostei muito
    Também gostei do post, saudades do teu blogue!

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    1. É um livro belíssimo que já me aguardava na estante há muito.
      O Dylan foi lido há mais tempo, confesso :$ mas hei de chegar a esse também!

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