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Dois Irmãos (novela gráfica)

Milton Hatoum é um nome que eu já tinha na ideia antes de surgir a oportunidade de ler esta adaptação magnífica.



Fábio Moon e Gabriel Bá são também nomes que já me eram familiares, e com os quais tinha a experiência não de Daytripper (que tenho na estante, à minha espera, de forma quase criminosa), mas de Como Falar com Raparigas em Festas, também uma adaptação, nesse caso, de um conto.

Não conhecia a narrativa a que ia - e não desiludiu.

Dois Irmãos trata de uma saga familiar no início e metade do século XX, em Manaus, no Noroeste brasileiro, à margem do Amazonas. Uma terra do interior, portanto. A narrativa centra-se em dois irmãos, gémeos, Omar e Yaqub, filhos de dois descendentes de libaneses, Halim e Zana. Cruzamo-nos, no prefácio da obra, com Zana, desolada - e sabemos, logo ao início, que houvera um conflito entre os dois irmãos que dão título ao livro.

Ao longo da obra, com algumas quebras cronológicas, sabemos como Halim conheceu e cortejou Zana, a sua visão sobre o conceito de família, e sobre a família que acabou por criar; e sabemos como a rivalidade e hostilidade entre os dois irmãos teve início, quando ambos tinham apenas 13 anos, e Omar fere a cara do irmão com uma garrafa partida. Halim queria, havia algum tempo, enviar ambos para a sua aldeia natal, no Líbano - mas apenas Yaqub acaba por ir, durante cinco anos.

 

E a tensão não se resolve.

Este é um drama familiar que lida com várias camadas de inveja e ciúme: o homem que tinha ciúmes do amor da esposa pelos filhos, a mãe que tem ciúmes do filho preferido, os irmãos que têm ciúmes um do outro por causa de mulheres...

Yaqub acaba por ser apresentado como "o irmão bom", e Omar, como o "mau", na clássica dicotomia dos gémeos. Zana é central na história, por ter Omar como favorito. Sempre presente, a empregada, Domingas, uma índia que fora "oferecida" por um colégio de freiras aos recém-casados Halim e Zana, e o seu filho, Nael, que descobrimos ser o narrador, que juntou todas as peças, mesmo as que antecediam o seu nascimento.

É uma narrativa complicada de explicar, e o fim é algo aberto (fica a esperança que Nael consiga transformar a paixão violenta que levou aos vários eventos em algo positivo). É uma obra muito emocional sobre conflitos intergeracionais que são demasiado complicados para resolver, uma história familiar muito incerta. E contada de modo muito intenso.

A arte é extremamente admirável, e o preto e branco confere imensa emoção. As imagens de Manaus e do Amazonas são sublimes. Os personagens são dolorosamente expressivos - a malícia, o ciúme, a paixão. Cada prancha inspira emoções no leitor.

Também relevante é a forma como a cultura libanesa e a cultura brasileira são apresentadas em paralelo, numa narrativa tão rica sobre um tema sempre tão difícil como os segredos de família.

Fiquei com enorme curiosidade para ler o original, após esta magnífica adaptação.

5/5

Podem comprar esta maravilha directamente à editora.

Comentários

  1. Este traço e o facto de ser a preto e branco é uma demarcação muito interessante daquilo que fizeram em Daytripper, cuja ilustração era igualzinha à de Como Falar com Raparigas em Festas, e que me aborreceu muito. Do Milton Hatoum, tentei ler uns contos e não gostei. Vou pôr este na minha wishlist.
    Paula

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    Respostas
    1. Nunca tinha lido nada do Milton, portanto não sei comparar - mas esta adaptação, com um p&b menos cansativo que a obra mais colorida, será uma forma muito acessível de o ler :) eu gostei mesmo muito da narrativa. Muito intrigante. E as ilustrações trazem muito contexto, intenção e emoção ao diálogo :)

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  2. Diogo Martins15 maio, 2020 10:44

    A tal que leste ao invés da Druuna, for shame
    Gostei muito do post, também fiquei com curiosidade, tanto em ler a novela gráfica como o original do Milton Hatoum
    Tens o original?
    O post fez-me lembrar A Selva do Ferreira de Castro, que saudades de ler um bom livro
    Gostava de ler um post sobre as tuas novelas gráficas favoritas

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    Respostas
    1. Sim :( em vez da Druuna e do Pokémon :(
      Não tenho o original! Mas estou interessada, e esse e outros do autor estão editados em português.
      Tenho de ler A Selva :o
      Estás a querer insinuar que os códigos não são bons livros? :$
      Quiçá quiçá :o

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