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Mensagem

Relendo uma leitura escolar obrigatória que, à época, não me tinha impressionado particularmente.


Ressalva: continuou sem impressionar.

Já é mais que conhecida e por aqui relatada a minha dificuldade em apreciar poesia, que leva a raramente a ler. Reli esta obra para participar no projecto do João, #12meses12portugueses, para o qual já lera O retrato de Ricardina, de Camilo Castelo Branco.

Eu sei que Fernando Pessoa foi os quatro maiores poetas portugueses dos tempos modernos e, acreditem, eu tentei. Maioritariamente devido à dimensão diminuta da obra, acabei por reler.

O conteúdo da obra será conhecido por uma vasta maioria: a exortação de Portugal, dos portugueses e dos seus grandes feitos, um apelo para o regresso à grandeza dos tempos passados, etc, etc. Não vou entrar no quão problemático considero achar os Descobrimentos grandiosos, pois há que ter em conta o contexto da altura em que a obra foi escrita (a publicação data de 1934); posso apenas dizer que não me consigo entusiasmar por este tipo de poesia.

A obra está repleta de misticismo, alguma mitologia grega (Ulisses enquanto fundador da cidade de Lisboa - este mito existe em mais algum lado sem ser por cá?) e catolicismo à mistura. A apropriação da mitologia grega, tal como Luís de Camões fizera n'Os Lusíadas, perturba-me (tal como n'Os Lusíadas); os apelos a Deus e à religiosidade, menções à imaculada concepção, a ideia de uma espécie de povo predestinado por Deus, perturbam-me mais ainda. Aquilo que já não me devia ter perturbado era a associação de mulheres a parideiras (Santo Graal, etc), mas é mais forte do que eu.

Acredito que Portugal de 1934 fosse absurdamente decadente, com o incipiente Estado Novo e tudo o mais, mas as posições políticas de Fernando Pessoa também nunca foram as menos criticáveis (Sidónio et al). A ideia de um hino a glórias passadas (novamente, mesmo sem entrar no quão debatível é a glória) não me apela - mais que isso, não me diz nada. E, assim, a grande maioria do livro não me diz absolutamente nada.

Fernando Pessoa pega, aqui, no "Quinto Império", que Padre António Vieira, séculos antes, profetizava que seria Portugal - à cabeça de um império que lideraria o mundo. Dada a "missão civilizadora" de que Portugal se encarregara (muita atenção às aspas, por favor), a ideia de Portugal imperador civilizacional (e não material) não se assemelha absurda para Pessoa.

Não sou apologista de um "espírito português", e homenagens nacionalistas (retirando todo o peso negativo da palavra, atenção) não me dizem nada. Há alguns conjuntos de palavras belos; acho o "Mar Português" absolutamente enjoativo e "fazer cumprir-se Portugal" roça, para mim, o medonho. Porque acho a ideia do Quinto Império brega, por falta de outra palavra.

Acredito que, mais de dez anos volvidos sobre as leituras obrigatórias da escola, consiga retirar mais dos vários Fernandos que o Fernando teve para oferecer; também acredito que o Fernando-em-nome-próprio consiga oferecer mais que isto.

Voltou a desiludir, no fundo.

3/5

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Comentários

  1. Também sou um leitor que não se deslumbra a ler poesia, gosto deste ou daquele poema, alguns mesmo muito, mas raramente compro livros de poesia e me sento a ler livros de poesia de rajada. Pessoa é um dos poucos poetas que por acaso compro e gosto muito da Mensagem, não sou um nacionalista mas também não sou um anti-nacionalista, sou um crente não dogmático, gosto de misticismo no contexto de compreensão da história, tal como gosto de mitologia estando tudo isso nesta obra é normal que aprecie. Curiosamente não gosto do pseudo-misticismo e fantástico que ultimamente virou a moda e que em parte surge desenraizado de qualquer contexto do passado.

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    1. Compreendo perfeitamente: acho que esta temática é daquelas que ou cativa, ou torna o leitor indiferente. Sou fã de mitologia no seu contexto original histórico, mas não do misticismo na obra literária mais contemporânea. Tenho uma visão muito neutra sobre eventos passados - a minha visão é realpolitik - e, como tal, a exortação e hino a glórias anteriores não me desperta grande sentimento. Fiquei, portanto, muito indiferente a esta leitura. Nunca li obras do género de outros países, mas acredito que as haja - e acredito que teriam, de mim, a mesma recepção.

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  2. Gosto muito de Fernando Pessoa em todas as suas multiplicidades, mas esta obra também não é para mim, por tudo aquilo que apontas. É toda uma ideologia que me horroriza ainda que entenda o enquadramento. Felizmente, só dei o Mostrengo no liceu, porque eu já era uma adolescente maldisposta, não precisava de provocações. Ah ah!
    Paula

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    1. Que recomendas à leitora reticente de Fernando Pessoa?
      Eu gosto muito (teoricamente) da primeira guerra mundial e do período entre guerras; estudei Relações Internacionais e foquei muito no período 1871-1939 (costumo dizer que não sei nada do que aconteceu depois disso :)), e é um enquadramento que percebo e que aprecio (novamente, de forma teórica). Eu, adolescente maldisposta, fiz-me adulta maldisposta!

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    2. Eu prefiro Ricardo Reis e Alberto Caeiro em dias alternados, mas acho que tu talvez sejas mais Álvaro de Campos, que é mais furioso e enérgico.
      Paula

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    3. Eu há mais de dez anos achava remota piada ao Ricardo Reis, mas não sei se, hoje em dia, dar a mão à Lídia me iria apelar; o Caeiro nunca me disse nada, mas quiçá, quiçá!

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