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Racismo em Português - O Lado Esquecido do Colonialismo

Li este livro "embalada" na minha senda por mais não-ficção.



Já há muito tempo que tinha este livro debaixo de olho, graças à opinião favorável da Cristina, e foi este ano que se proporcionou a sua aquisição. Desejosa de encaixar mais não-ficção na minha vida, decidi pegar neste após ter terminado a Milena. Tratando-se este livro de uma compilação de trabalhos de jornalismo de investigação, a sua leitura é fluída e fácil, não obstante os temas nos quais toca.


Joana Gorjão Henriques passou pelos cinco PALOPs, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Moçambique, no ano de 2015, com o objectivo de compreender melhor os vários aspectos da colonização portuguesa, quais as consequências das políticas coloniais nos territórios ocupados - no fundo, qual a verdade dos "brandos costumes", do luso-tropicalismo, do "bom colonizador", conceitos que nos são ensinados a todos nalgum momento da nossa escolaridade e que perpetuamos no dia-a-dia.


Assim, a autora fez centenas de entrevistas, tendo ouvido o "outro" lado da história e compreendendo como o racismo, a discriminação, a tentativa de fugir a África e a valorização do branco, tudo é uma sequela da relação colonial, até nos detalhes mais ínfimos, como nos é relatado em São Tomé e Príncipe:


Os nossos professores mandavam fazer redacção sobre os frutos. E os frutos que nós conhecíamos eram: manga, cajamanga, mamão, abacate, jaca, anona… Mas se puséssemos esses frutos os professores riscavam, tínhamos de pôr uvas, maçã, pêra, coisas que nunca tínhamos visto. Era uma espécie de negação que levava a negarmos a nossa própria cultura.


Foi especialmente interessante ver como a política não foi uniforme e igual para todos os países; como todos eles tinham, também, potenciais económicos diferentes, o seu tratamento e modos de funcionamento foram igualmente díspares, algo que ainda hoje tem consequências. Não sabia, por exemplo, que havia cabo-verdianos em posições de chefia e administração na Guiné-Bissau, algo que acaba por trazer diferenciação racial e étnica, muitas tensões.


As muitas entrevistas realizadas à elite angolana confirmam que o racismo faz parte da herança colonial portuguesa, sendo que ainda hoje é um país em que os cargos de chefia são dados a brancos; o estatuto dos "assimilados" acentuou as diferenças em Angola, mas também na Guiné-Bissau, em que o estatuto do indigenato vedava o acesso à cidade de Bissau, onde havia uma corda e um posto de controlo.


Mas nem todos os entrevistados sentem que o racismo é um legado presente. Em Maputo, Fernando Lima, director de um semanário, considera que em Moçambique são, no que toca ao racismo, "muito melhores do que a generalidade dos países africanos", e há mesmo quem diga que "não há um problema racial em Moçambique", embora estas posições sejam contraditas por outros entrevistados no mesmo país. Estes depoimentos são importantes porque demonstram como circunstâncias diferentes moldam de forma diferente as vivências e formas de ver este conflito - sendo assim, também, impossível acusar a autora de alguma parcialidade. Um ponto interessante, por parte de Kwame de Sousa, de São Tomé e Príncipe:


Não sei se existe racismo (…). Dizer ao povo "tu foste escravo" não vai ajudar o meu país. Sou a primeira pessoa a apagar na mente do meu povo e a dizer: "Esquece essa merda, anda para a frente". Estar a remontar a merda da escravatura não ajuda a nada.


Aprendi muito. Embora a minha ideia de base fosse obviamente que não existe um "bom colonizador", havia muito para aprender. Tinha, por exemplo, a ideia que a miscigenação de que Portugal tanto se orgulhava seria, no fundo, fruto de violência sexual; tendo isto sido uma realidade em Cabo Verde, aprendi que também era uma miscigenação "forçada", de modo a vender essa mesma imagem, de "mistura" com os povos africanos. Mesmo a escravatura, orgulhosamente cedo abolida em Portugal, permanecia sob outras formas nas colónias: se já não havia tráfico de escravos, havia trabalhos forçados nas roças e em obras públicas, como estradas.


(...) Porque insistimos num olhar benevolente sobre um Portugal que não hesitou em promover o trabalho escravo até 1974? Vamos perpetuar a narrativa de um colonizador que não discriminava porque se miscigenou com as populações, quando sabemos que as obrigava a despirem-se da sua identidade africana, a mudar de nome, a alisar o cabelo ou a obliterar a sua língua?


Confesso que ainda não vi o DVD que acompanha o livro; e fiquei super curiosa para ler o outro livro da autora, Racismo no país dos brancos costumes.


5/5


Podem comprar esta edição na wook ou na Bertrand

Comentários

  1. Quero muito ler este livro. Racismo no País dos Brancos Costumes já li e é um verdadeiro murro no estômago ...É daqueles livros que toda a gente devia ler. Também trás um DVD, mas não tenho onde o ver xD

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    Respostas
    1. Perdi a oportunidade de comprar esse na promoção da Tinta-da-China deste ano, mas outras chances haverá!

      Percebo perfeitamente isso do DVD, porque recentemente levei a minha gata a fazer um raio-x e deram-me um DVD com os resultados... o meu portátil não tem drive, tenho um leitor de DVD mas não lia aquele formato...

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  2. São livros fantásticos. A Joana Gorjão Henriques é uma excelente leitura.

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