Já conhecia Cesário Verde do secundário, e decidi dar-lhe nova chance.
Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.
E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.
Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.
E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!
3/5
Podem comprar esta edição aqui.
Não sei se já alguma vez o tinha manifestado, e possivelmente esta é uma declaração meio polémica, nomeadamente logo a seguir a polémicas relacionadas com o exame de português do 12º ano - mas não gostei de nenhuma das obras de leitura obrigatória no secundário. Li-as todas, é certo - mas não apreciei nenhuma. Excepto o Frei Luís de Sousa, de que ninguém gosta. Vi os dois filmes.
(o meu exame incidiu sobre Alberto Caeiro, já agora)
Regressei mais recentemente a Eça de Queirós (tendo lido os Contos, o Crime do Padre Amaro e A Relíquia), e até gostei. Estou então, lentamente, a tentar dar uma nova oportunidade aos outros autores, cerca de dez anos volvidos.
E é aqui que entra Cesário Verde. Lembro-me de ler Cesário no 11º ano, aquando do estudo do realismo, logo a seguir a ler Os Maias, e lembro-me apenas vagamente. Lembro-me que na altura estava investida na leitura de Great Expectations, do Dickens, que a minha professora na altura disse ser uma óptima escolha. Lembrava-me vagamente da dicotomia cidade/campo na obra de Cesário.
E encontrei o Livro de Cesário Verde a 3€ numa das minhas últimas idas à Feira do Livro.
Poesia é, sem dúvida, o meu ponto fraco no que respeita a leitura, e é possivelmente daquilo que leio menos. Cesário Verde introduziu o realismo na poesia em Portugal, retratando perfeita e metodicamente a vida real, como a via - e tentando ver para além do óbvio. As temáticas são várias: as ruas lisboetas e a vida do campo, a modernidade, e como tudo isto se reflectia nas pessoas: a tal ideia da dicotomia cidade/campo, pois sente-se a sua preferência pelas pessoas do campo, trabalhadores honestos.
No meio disto, Cesário retrata as condições de vida dos vários grupos sociais, a vida quotidiana. São imagens cruas e realistas.
Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!
Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.
Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.
--Sentimento dum ocidental
Também esta duplicidade de sentimentos se reflecte nos poemas sobre mulheres: enquanto que as mulheres da cidade, do alto da sua elegância citadina, são frias, talvez até más, e servem como objecto erótico de apreciação, as mulheres do campo, apesar de feias e mal vestidas, são frágeis, naturais, cheias de sentimentos nobres e coragem, logo, dignas de simpatia. E, honestamente, estas palavras não ressoam muito bem. Não a mim, não em 2017.
E enfim prossiga altiva como a Fama,
Sem sorrisos, dramática, cortante;
Que eu procuro fundir na minha chama
Seu ermo coração, como um brilhante.
Mas cuidado, milady, não se afoite,
Que hão de acabar os bárbaros reais;
E os povos humilhados, pela noite,
Para a vingança aguçam os punhais.
E um dia, ó flor do Luxo, nas estradas,
Sob o cetim do Azul e as andorinhas,
Eu hei-de ver errar, alucinadas,
E arrastando farrapos - as rainhas!
--Deslumbramentos
Em Nós, poema no qual compara Portugal aos países do Norte da Europa (os "fleumáticos farmers de Inglaterra"), Cesário Verde fala da tuberculose, que lhe tirou a irmã e o irmão, doença com a qual acabaria por morrer, aos 31 anos, virtualmente desconhecido: foi apenas em 1887, um ano após a sua morte, que o seu amigo Silva Pinto compilou e tratou da publicação d'O Livro de Cesário Verde.
Confesso que continuei sem apreciar particularmente a poesia de Cesário Verde. Enquanto que Sentimento dum ocidental é um brilhante retrato das condições sociais, toda a dicotomia cidade/campo ao longo da obra não me atraiu, e especialmente as partes sobre mulheres caíram um pouco mal.
3/5
Podem comprar esta edição aqui.
É importante conhecer a nossa literatura, poesia não é o meu forte também mas kudos por leres mais autores portugueses :p
ResponderEliminarDiz a pessoa com toda uma nova colecção de Fernandos Pessoas :p
EliminarAcho que posso dizer que nos inspirámos um ao outro a ler mais portugueses e lusófonos em geral :p
Eliminartu inspiras-me, that's for sure! :p
EliminarLame, mas excelente review mais uma vez, emprestas-me o livro Ba?
EliminarEmpresto claro :p
EliminarObrigado Ba :D
EliminarNo meu exame saiu o Felizmente Há Luar!, Fernando Pessoa e o meu puto Miguel Torga :p
ResponderEliminarNão li Miguel Torga na escola (nem nunca) :o e o Felizmente Há Luar ganha o prémio de obra de que menos gostei :$
EliminarTens de ler Ba, empresto-te o que quiseres :p
EliminarPrefiro que sejas tu a recomendar :p
EliminarEntão para começar o bichos :p
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