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Invisible Women: Exposing Data Bias in a World Designed for Men

It's not always easy to convince someone a need exists, if they don't have that need themselves.



Este livro tinha-me sido recomendado pela Sara, ainda antes de gravarmos o podcast: tinha-me dito que poderia falar sobre este livro, apenas, durante horas. Não fui pesquisar muito sobre ele (adoro ser surpreendida durante as gravações), mas a conversa que tivemos deixou-me muito intrigada, pelo que adquiri o livro pouco depois e foi com grande alegria que o vi ser traduzido para português e ficar acessível a uma mais ampla população.


Sou uma pessoa que gosta de números, de estatística, de economia, de contas. A economia é uma ciência social e tem muito, mas muito de social (tentem convencer-me do contrário). Leio muito, muito pouca não-ficção e muito pouca divulgação científica em geral, como sabem; já li o Freakonomics (adorei - é mesmo o meu tipo de livro dentro do género) e quero ler a sua sequela, e Invisible Women é semelhante, embora menos humorístico. Talvez porque a temática acaba por tomar contornos mais sombrios.


Em Invisible Women, Caroline Criado Perez explica como o "standard" da forma como o mundo funciona (ou foi construído) é o masculino. Isto pode, à primeira vista, não parecer atroz ou aterrador - afinal, é preciso modelar a partir de algo, mas a autora expõe os factos à medida que nos traz realidades de todo o mundo, algumas que nos serão mais familiares que outras, e algumas que nos trarão mais impacto imediato, por serem aplicáveis ao nosso dia-a-dia. A forma como cidades são edificadas, por exemplo, abre o livro; e se o conceito de casas de banho públicas e falta de canalização não nos é uma realidade próxima, o facto de as redes de transportes públicos (maioritariamente utilizados por mulheres) não estarem feitas de modo a possibilitar uma ida às compras ou passagem pela escola para ir buscar os filhos após o trabalho será mais facilmente reconhecido.


A igualdade não se deve basear, de facto, numa premissa de igualdade biológica, que não existe. E à medida que o mundo se expande para acomodar a igualdade de direitos, de acessos, de permissões, a verdade é que as diferenças biológicas não são tidas em conta. Alguns exemplos eu já sabia: os testes de segurança dos carros que são baseados no homem médio (em quem, para além de diferenças de altura, um cinto de segurança assenta de forma totalmente diferente), por exemplo, não obstante o facto de as mulheres à volta do mundo conduzirem cada vez mais. Questões sanitárias e de segurança várias. Os uniformes de polícias, militares e outras forças de segurança, que não incorporam o facto de mulheres terem troncos bastante díspares dos homens (e os Estados que não fornecem equipamento de segurança adequado), ou uniformes de trabalho que são pensados para indivíduos com um pénis.


O livro é deprimente e enfurecedor.


The result of this deeply male-dominated culture is that the male experience, the male perspective, has come to be seen as universal, while the female experience--that of half the global population, after all--is seen as, well, niche.


Talvez mais deprimente ainda seja a parte do livro dedicada à saúde, às dificuldades de diagnóstico quando os sintomas são estudados apenas para homens, as doenças de mulheres sobre as quais se sabe pouco, a medicação que é estudada apenas em homens devido às flutuações hormonais óbvias das mulheres (novamente - flutuações hormonais que os homens também têm, apenas não cíclicas). E pode mesmo ser letal.


E é especialmente enfurecedor porque muitas das questões apresentadas poderiam ter tido uma solução simples se mulheres fossem parte do processo decisório, seja em programas de apoio ao desenvolvimento económico ou em parques de estacionamento de grandes empresas, se se prestasse algum tipo de atenção às diferenças não só biológicas, mas frequentemente culturais e socioeconómicas.


O problema é que ouvir e prestar atenção acaba por não parecer suficiente. Apesar da brilhante exposição de várias questões que precisam de uma solução (e seria magnífico se a solução fosse rápida), a solução não é óbvia. Mesmo colocando mulheres em posições de poder, com capacidade decisória, poderá não ser suficiente. Apesar de compreender a urgência, não me sinto particularmente apta a incitar uma mudança; não sei o que fazer a partir daqui, tendo este conhecimento (pequena nota: o livro tem mesmo muita informação, o que pode não ser fácil de ler ou digerir), e ver estas diferenças traçadas parece tornar mais difícil acabar com elas.


Mas espero que o livro inspire alguém - várias pessoas! - a trabalhar na mudança que é necessária.


There is no such thing as a woman who doesn’t work. There is only a woman who isn’t paid for her work.


4,5/5


Podem comprar esta edição na wook ou na Bertrand; ou em português, na wook ou na Bertrand.


Comentários

  1. Boa citação a abrir, com a qual concordo
    Totalmente irrelevante mas sabias que a autora nasceu no Brasil?
    Sei que é um livro forte, e quero muito ler
    Porque razão sentes que "ver estas diferenças traçadas parece tornar mais difícil acabar com elas."?
    Gostei muito do post

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    Respostas
    1. não sabia que nasceu no Brasil! descobri agora mesmo com o teu comentário!
      é forte porque fala, por um lado, de questões que não se aplicam à vida diária "Ocidental", o que desperta a atenção para questões que desconhecemos mas que acentuam a disparidade, mas também porque muitas delas são mesmo muito presentes: carros, transportes, medicação, empregos. é mesmo muito duro. e é por perceber o quão enraizadas certas questões estão - e o que já foi feito para as tentar mudar, e não funcionou - que se torna difícil...

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