Leitura escolhida para levar para a praia face à incapacidade de ler num tablet com tanto reflexo + dimensão do Anna Karenina.
Tendo sido cá lançado recentemente, talvez seja um livro do qual muitos já tenham ouvido falar. Às vezes perguntam-me por que escolho algumas leituras, e este foi um dos livros questionados. Reparei nele quando foi uma das opções do Books That Matter, há mais de dois anos. Apesar de não comprar as caixas deles (comprei talvez duas ou três, há já uns anos, mas os portes subiram muito e houve o Brexit), costumo estar atenta aos títulos sugeridos, embora saiba que nem todos me vão agradar. Comprei este no Awesome Books, em Abril, pouco antes de ter sido editado por cá.
My Sister, the Serial Killer é narrado por Korede, enfermeira, irmã mais velha de Ayoola, a serial killer do título. Sendo título, não será exactamente spoiler dizer que Ayoola já matou, mais que uma vez, e o livro abre com o jantar de Korede, interrompido por um pedido de ajuda da irmã, que tem de se livrar de mais um corpo, o do terceiro namorado que matou.
Ayoola summons me with these words - Korede, I killed him.
I had hoped I would never hear those words again.
Acho que é importante desde já dizer que este não é um thriller, não é um policial, um mistério, um livro sobre crime - não é dada grande proeminência ao porquê de Ayoola ter assassinado três homens (sabemos apenas que ela diz que eles a atacaram primeiro, e que ela os esfaqueia com uma faca herdada do pai); este livro é sobre o amor fraterno (e sobre o que pode ser amar alguém doente, alguém que nos é nocivo), sobre o papel e a percepção da beleza (feminina) na sociedade, e sobre ciclos de abuso.
Korede é a irmã mais velha, e é enfermeira no St. Peter's Hospital, com muito rigor na limpeza e no que é próprio e adequado, o que dificulta as suas relações sociais; Ayoola, a irmã mais nova, é belíssima, atraente e sempre viveu com a protecção da irmã. Korede questiona muito toda a situação, mas não deixa de aparecer para auxiliar a irmã, como é sua responsabilidade enquanto irmã mais velha. Desde crianças que essa responsabilidade lhe pesava sobre os ombros, não apenas por motivos culturais (o livro passa-se em Lagos, na Nigéria), mas também porque o pai, entre os seus negócios dúbios, batia nas filhas, na esposa, levava amantes para casa na presença destas. Anos após a sua morte (acidental?), é impossível negar a sua influência. O abuso foi uma parte inescapável das suas vidas, especialmente quando era escondido de todo o mundo exterior - só podiam confiar uma na outra, enquanto a mãe tomava calmantes para dormir.
Quando Korede começa a questionar os comportamentos de Ayoola (por motivos pessoais, digamos), é tida como invejosa, como falsa. Como é que alguém tão belo como Ayoola pode ser má pessoa? Todas as pessoas se sentem atraídas por ela, até mulheres (há vários estudos psicológicos que dizem que é mais fácil simpatizar com pessoas bonitas e acreditar nelas); é bela, amada e impulsiva. Korede (e não esqueçamos que este livro é narrado por ela) é feia, com pele mais escura, menos curvas, é a irmã responsável.
It’s because she is beautiful, you know. That’s all it is. They don’t really care about the rest of it. She gets a pass at life.
O livro foca muito menos nos homicídios que na relação entre ambas: Korede é a única que sabe o que a irmã tem feito, sabe o quão egocêntrica e auto-focada Ayoola é, mas também sabe que o seu passado em comum de abuso (e o facto de ter sido, desde cedo, responsável por ela) as liga de forma indelével. É assim, juntas, que têm conseguido sobreviver.
That’s how it has always been. Ayoola would break a glass, and I would receive the blame for giving her the drink. Ayoola would fail a class, and I would be blamed for not coaching her. Ayoola would take an apple and leave the store without paying for it, and I would be blamed for letting her get hungry.
O final é duro, porque nos obriga a aceitar que Korede não tem exactamente opções. Pode não ser ela a pegar na faca, mas é tão nociva quanto a irmã. Com capítulos curtos e ritmo rápido, o livro é hilariante e negro ao mesmo tempo.
4/5
Podem comprar esta edição na wook ou na Bertrand, ou em português, também na wook ou na Bertrand
É abordada a ética e a moralidade? O conflito entre fazer o suposto bem, de levar uma assassina à justiça, e o de proteger um ente querido? O que é mais forte, o mais importante, o mais justo, o ética e moralmente correto?
ResponderEliminarComo dizes, pode não ser a Korede a pegar na faca mas, para além de não entregar a irmã à justiça está consciente que mais pessoas irão morrer às mãos da mesma
a narradora não é fiável, por ser a irmã e ter conflitos emocionais vários, mas questiona-se sim sobre o que poderá ser certo e se deve entregar a irmã às autoridades. é um bom livro também por essas questões!
EliminarPara a praia, recomendo audiolivros :)
ResponderEliminarsou a pior a ouvir coisas... não consigo prender a atenção!!
Eliminar