Quando a mãe de Juan Preciado morre, fá-lo prometer que irá a Comala, sua terra natal e terra onde viveria ainda o seu pai, Pedro Páramo.
- El olvido en que nos tuvo, mi hijo, cóbraselo caro.
- Así lo haré, madre.
O livro começa, assim, de forma bastante convencional: a viagem de um jovem à terra (aldeia) do seu pai, numa espécie de inversão d'O Estrangeiro, em que o personagem vai ao encontro da mãe, recentemente morta (hoje? Ontem?). Perto de Comala, é guiado por Abundio, também ele filho de Pedro Páramo, e o cenário é desolador:
- (...) ¿Qué pasó por aqui?
- Un correcaminos, señor. Así les nombran a esos pájaros.
- No, yo preguntaba por el pueblo, que se ve tan solo, como si estuviera abandonado. Parece que no lo habitara nadie.
- No es que lo parezca. Así es. Aquí no vive nadie.
- ¿Y Pedro Páramo?
- Pedro Páramo murió hace muchos años.
Chegando a Comala, no entanto, Preciado cruza-se com vários personagens - Eduviges, em cuja casa Abundio lhe sugerira ficar, Damiana Cisneros, que aparentemente o resgata... até desaparecer do nada. Todos os personagens são etéreos e Comala parece ser uma cidade fantasma, onde o espaço e o tempo não são estáveis, onde a presença de Pedro Páramo paira sobre tudo como uma nuvem escura (e elemento de ligação). Comala, outrora uma agradável aldeia rural, é agora assombrada por inúmeros fantasmas, casa apenas para os espíritos e os renegados da sociedade. Rapidamente, Juan Preciado fica desconfortável... o suficiente para ser enterrado com Dorotea. Juntos, ouvem os murmúrios dos vários fantasmas da população.
Os fantasmas são tão literais quanto figurados; Comala está amaldiçoada pelos pecados de Pedro Páramo e da sua família, havendo manchas de sangue que ninguém consegue lavar, espíritos condenados a caminhar na terra por falta de perdão de um padre que desistiu (um padre que também está preso em Comala). A esperança que levou Juan a Comala desvanece rapidamente - e vamos saindo lentamente da narrativa de Juan Preciado, para ouvir as vozes do passado.
No fim do livro, a narrativa, esparsa, omissa e não cronológica, parece ser directa: Pedro Páramo, órfão, jovem, apaixonado por Susana San Juan, que vai embora da aldeia com o pai, ainda garota; Lucas Páramo, seu pai, assassinado, Pedro decide vingar-se (a vingança é um mote muito forte neste livro); endividado, decide casar com Dolores Preciado que, eventualmente, foge para a cidade e nunca mais volta. Pedro Páramo engravida grande parte das mulheres da cidade (daí a identidade de Abundio), assume apenas um, Miguel, cujos pecados e ira excedem até os do seu pai, levando o Padre Rentería a desistir de perdoar os pecados da população. Pedro localiza Susana, casa com ela - tudo o que Susana faz é queixar-se, sofrer, ser louca (como várias das mulheres do livro), morrer, e Pedro amaldiçoa Comala.
A leitura é, no entanto, muito confusa, desorientante, desconcertante, o que pode ser frustrante mas, ao mesmo tempo, intriga. A sua complexidade vem dos excertos cortados e desarrumados, mas também da percepção da passagem do tempo e da percepção da morte (quem estará vivo?). Há várias reviravoltas, há informação transmitida em pedaços, flashbacks, narradores pouco confiáveis. Os mortos revivem as suas memórias, porque é tudo o que lhes resta.
Um rancheiro avarento e violento, a Revolução Mexicana, a violência que inspira mais violência.
Segundo esta edição (riquíssima, para quem tiver interesse em ler extras, explicações, especulações, entrevistas ao autor, etc), Rulfo terá, originalmente, escrito um livro muito maior, no qual trabalhou durante anos, tendo, por fim, cortado mais de metade do que tinha escrito.
5/5
Podem comprar uma edição em português na wook ou na Bertrand; por algum motivo, não consigo encontrar nenhuma edição em espanhol não esgotada em nenhum destes sites.
Acho que descobri este livro com uma recomendação de um convidado do teu podcast. Vou ter de investigar.
ResponderEliminarsim, o Gonçalo falou do livro :) é realmente muito bom!
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