Queria há já algum tempo ler Martha Batalha e comecei por este por ter a ideia que A Vida Invisível de Eurídice Gusmão é melhor.
Um castelo em Ipanema tem, no Brasil, o título de Nunca houve um castelo (frase que é proferida mais para o final do livro). Já dizia Tolstoy que as famílias infelizes têm todas histórias diferentes - aqui, seguimos três gerações infelizes da família Jansson, começando com Johan Edward Jansson, ainda na Suécia, que emigra para o Brasil, no papel de cônsul, com a sua esposa, Brigitta, de modo a fugir das vozes que esta ouve (tentando despistá-las pelo caminho transatlântico). Em Ipanema, zona ainda em construção e deserta, constroem um castelo para a sua família, dando início à urbanização do local.
Uma pequena ressalva - houve efectivamente um cônsul sueco chamado Johan Edward Jansson, que construiu um pequeno castelo em Ipanema. A existência deste castelo, que veio a ser demolido nos anos 60, aparentemente desconhecida por muitos, tem hoje características de mito, e é a partir deste mito que, de certo modo, se ficciona a vida destas pessoas e se desenrola o livro. O tempo passa - o tempo é fulcral na história destas três gerações da família -, e aquilo que começa quase com contornos de lenda acaba por se tornar mais realista.
Johan e Brigitta têm três filhos, todos eles louros e de nomes suecos, a vida não corre muito bem, o dinheiro acaba, o castelo é vendido; destes filhos, todos eles apaixonados por Laura e pelo seu xaile vermelho (Laura que rejeitou "22 pedidos de casamento. Rejeitou outras cortes menos formais – 35, segundo seus cálculos, 235, segundo a memória de alguns contemporâneos"), dos quais Nilsson fica no Brasil, casa com Guiomar, têm um filho, Otávio "Tavinho" Jansson, que, mulherengo, acaba por casar com Estela.
Estela, criada (com o apoio não só dos pais de origem portuguesa, mas de um convento repleto de bons costumes) para ser boa esposa, vê com algum estoicismo o seu casamento desmoronar, lutando e desistindo ao mesmo tempo, atirando com açucareiros, arranjando amantes, resignando-se à monotonia.
Pediram o quinto chope. Alguém levantou o copo em homenagem ao último nobre de Ipanema, o homem que havia morado no castelo em frente à praia.
- Que castelo?
- O castelo da Vieira Souto, esquina com a Joaquim Nabuco.
- Ali nunca houve um castelo — disse um homem no canto.
- Lógico que houve.
- Não era castelo. Era um bar chamado Castelo.
- Não era um castelo nem um bar. Era um trecho da praia com esse nome.
- Isso foi depois do bar. Antes era um castelo.
- De jeito nenhum, ali sempre foi um bar. - disse outro homem, girando o indicador em círculos na têmpora, comprovando não só a ficção do castelo, como a demência daquele que o evocou.
Do mesmo modo que o Castelo desaparece da memória da população local, a família desmorona-se. Nada importa, e é como se nada tivesse existido.
4/5
Tenho este livro para ler mas ainda "não me chamou". Curiosamente, também decidi começar por este por ter a ideia de que o de Eurídice Gusmão é melhor.
ResponderEliminartambém demorou a chamar-me, mas lê-se muito bem e vale a pena :)
Eliminar(...) "atirando com açucareiros, arranjando amantes, resignando-se à monotonia".
ResponderEliminarVou requisitar o livro à biblioteca.
hahaha do it! pobre Estela.
EliminarGosto muito dessa literatura mais densa, não me deem livros-cabeça. Que bom
ResponderEliminarvale muito a pena, este livro!
EliminarGostei mais da Eurídice de Gusmão, mas este livro também tem personagens excelentes e situações caricatas, coisas que gosto muito de encontrar na literatura.
ResponderEliminarPaula
pois, tenho precisamente a ideia que toda a gente gostou mais da eurídice :) e também o tenho na estante, e lá chegarei. foi um bom primeiro encontro com a autora!
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