Avançar para o conteúdo principal

Prozac Nation

Mental illness is so much more complicated than any pill that any mortal could invent.


Prozac Nation é a memória de Elizabeth Wurtzel, jornalista norte-americana. Ao contrário do que o título possa indicar, não é um livro sobre Prozac, mas sim sobre a vida da autora - um pouco como Girl, Interrupted.

Tenho alguma dificuldade em escrever sobre este livro, porque não sei ao certo o que acho dele. Não sei se respeite ou odeie a autora - ela tem um ego gigante, vive na sua própria cabeça, admoesta-se ao longo de toda a obra. Elizabeth Wurtzel descreve-se constantemente como full of promise, queixa-se de os pais a enviarem para o summer camp nas férias para ser normal como os outros, diz que o seu desespero é superior ao de todas as outras pessoas. Aos 25 anos, quando escreveu o livro, Elizabeth parecia achar que era incrivelmente especial, tinha todos os problemas do mundo, e tinha respostas para tudo.

Mas, ao mesmo tempo - quem nunca?

Porque a verdade é que Elizabeth Wurtzel é honesta. Claro que os nossos problemas parecem sempre piores que os do resto do mundo (e claro que, com o ego certo, todos somos promessas incumpridas). E a sua descrição da depressão horrível é brilhante - é real e dá para perceber o que ela sentia. A depressão é, em si, um problema sério e consumidor e exaustivo, e dava para sentir a falta de energia de Elizabeth, ao longo dos vários anos da sua doença. Sabemos os seus pensamentos, sentimentos e confusão, e não edita os seus sentimentos ou frases para quem possa não se relacionar, não compreender. E, nesse aspecto, é uma memória muito boa, pois qual é o objectivo de uma memória se não relatar a sua experiência?

E, portanto, este retrato não é a melancolia bonita da depressão, mas a verdadeira depressão crónica, o desgaste de uma doença ao longo dos anos, de como nada se torna previsível e o quão difícil se torna para as outras pessoas gostarem de alguém que é tão inconsequente e imprevisível. Porque a depressão acaba por ser um problema horrivelmente narcisista - e se Wurtzel é repetitiva, é porque os sentimentos o são. E se ela nos cansa a falar da sua repetitiva depressão e tristeza eterna, quão cansada estará ela de o sentir?

That's the thing about depression: a human being can survive almost anything, as long as she sees the end in sight. But depression is so insidious, and it compounds daily, that it's impossible to ever see the end.

E isto torna-se muito complicado. Claro que os problemas de Elizabeth eram first world problems. Mas como toda a gente que já teve algum tipo de problemas possivelmente sabe, todos temos problemas. Nem todos sabemos é lidar bem com eles - mas problemas não se podem meter numa balança, medir e comparar. Porque, sim, depressão e saúde mental são dor real, e problemas reais, e não se tem de ser uma criança a viver actualmente na Síria ou no Sudão do Sul para saber o que são problemas. Doença mental não é querer atenção ou ser chorão ou querer que se tenha pena. E se tratássemos quem tem uma doença física da mesma maneira que se trata quem tem doença mental?

(...) a complete absence: absence of affect, absence of feeling, absence of response, absence of interest.

Wurtzel fala ainda frequentemente da música que a influenciou e ajudou de alguma maneira, sendo de particular destaque na sua vida Bruce Springsteen, mas também Bob Dylan, Patti Smith e Velvet Underground. A forma como associa a música que ouvia a memórias e a momentos demonstra o seu talento para a escrita cultural, tendo realmente trabalhado em jornalismo musical, fase da sua vida sobre a qual também escreve.

No fim, chegamos ao Prozac, e a como Elizabeth foi medicada com aquele que na altura era um medicamento experimental. Acaba por ser um final estranho e quiçá abrupto, a forma como repentinamente Elizabeth Wurtzel encontra a "salvação" após mais de uma década de sofrimento - de certa forma, não parece muito dramático. Mas é claro que a depressão não desaparece milagrosamente com a medicação, e fica por explicar a experiência e consequências físicas e psicológicas.

No epílogo muda totalmente de tom, escrevendo sobre como Prozac é demasiado prescrito nos Estados Unidos. É um capítulo que parece muito fora de lugar e muito pouco desenvolvido e, da forma como Elizabeth defende que a medicação não é a melhor (ou não deve ser a primeira) resposta para a depressão, acaba por contrariar um pouco a narrativa anterior.

3,5/5

Podem comprar uma outra edição aqui.

Comentários

  1. Imagino que este livro deve ser um bocado duro de ler... A tua descrição da autora fez-me lembrar a Lena Dunham, sabes, que também tem uma série de problemas de saúde mental e que talvez por isso - injustamente - passe essa mesma aura de narcisismo que se torna insuportável. :/

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Suponho que possa ser duro - a mim não me "custa" muito... infelizmente, a vários níveis, acho relatable :/

      Por acaso, acho a Lena Dunham insuportável... enquanto "pessoa pública", isto é, sabes? Sei sim que tem uma série de problemas, e imagino que enquanto "pessoa privada" seja muito difícil lidar com ela - seja muito difícil ser mãe, amiga, companheiro/a, etc. Enquanto personalidade, não sei, acho que há muuuuita coisa que se calhar ela conseguia evitar - mas sim, pode ser uma aura de narcisimo em "side effect".

      Eliminar
  2. Já li há algum tempo. Identifiquei-me nalgumas passagens e por isso senti que era fiel à realidade. A parte final que fala do Prozac é a meu ver necessária para entender o facto de se tratar de uma droga que andou a ser ministrada sem se saber bem quais os seus efeitos. É um pouco como a Ritalina, não achas?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Edite, infelizmente também me identifiquei, portanto sem dúvida: fiel. Percebo isso, sim, e não acho esse capítulo desnecessário - apenas quiçá um bocado "fora", deslocado, vindo sem grande encadeamento.
      A ritalina talvez me pareça pior - o prozac era administrado indiscriminadamente para tentar acabar com sofrimento (e toda a medicação de psiquiatria é "trial and error"), agora a ritalina... todo o conceito de "hiperactividade" é tão confuso!

      Eliminar

Enviar um comentário