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Praça de Londres

O meu segundo encontro com Lídia Jorge.


Ou quiçá terceiro - além de O Vale da Paixão, fui a uma conferência que ela deu no Centro de Estudos Judiciários em Junho. Mas não sei se conta.

Nunca lera Lídia Jorge na versão contista; nunca li muito de Lídia Jorge, aliás, só li estes dois, e tenho ali ainda por ler O Belo Adormecido e a Costa dos Murmúrios, que me foi descrito como livro essencial. Mas ainda não lá cheguei.

Praça de Londres é, como nos indica a capa, um conjunto de cinco contos situados. Talvez esta descrição se deva ao facto de todos eles terem uma localização geográfica precisa - seja a Praça de Londres, seja a Rue du Rhône, seja a zona de Entrecampos... Li grande parte deste livro (curto, muito curto) no muito trânsito que apanhei num dia de greve dos professores. É sempre interessante ler sobre Lisboa quando se está num eléctrico, símbolo tão típico da cidade.

Mas adiante.

O meu conto preferido foi Viagem para dois, onde um gato dá à dona o seu instinto; mas não atrás ficou Branca de neve: 

Mínimo, o garoto disse-lhe - "Não tenha medo, dona, vamos aqui, abrigados na sombra do seu casaco..."
Maria da Graça recomeçou a andar.
"Na sombra do meu casaco..." - pensou. Como entre os atletas, no momento das corridas. O que vai na frente corta o ar, abriga os outros do frio ou do calor, facilita a vida aos de trás. Naquele caso, três crianças pouco enroupadas procuravam o cone de protecção criado pela aba do seu casaco para se abrigarem do vento frio. Então ela virou-se e viu que era, quatro. Quatro garotos desciam a Avenida EUA, à sobra do seu casaco. E ela pensou na impropriedade da palavra sombra, tão bem aplicada àquela realidade, pensou também na colorida linguagem das crianças, sempre a fazerem nascer as realidades pela primeira vez.

Todos estes contos se encontram ligados pelo desejo de pertença, pelo desejo do sucesso, mas também pela perda, da inocência, ou de alguém, ou da simples esperança - que pode ou não ser a última a morrer.

Decididamente, gosto de Lídia Jorge. As suas personagens não são comuns, apesar de serem situações banais aquilo que nos conta; a leitura é agradável, sempre.

4/5

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. Ando mesmo numa de contos, por isso, vou ficar de olho neste.
    Deduzo, então, que gostaste do Vale da Paixão? Eu gostei muito, mas confesso que achei difícil entrar nele. Um dia também hei-de ler a Costa dos Murmúrios, quando me lembrar menos do filme, que por sinal achei bastante bom.
    Falando em contos, comprei o "Homem do Arame" da Maria Judite de Carvalho na Dejá Lu, e a mulher quase me punha a chorar no comboio com textos de duas páginas!
    Pois é, segui o teu conselho e fui à Cidadela ver a exposição da Guerra, que fez sucesso com o meu filho mais velho, um grande apreciador de desenhos que, ainda por cima, encheu o saco de livros infanto-juvenis lá na livraria. Eu contive-me, só trouxe dois, mas quero lá voltar em breve, com o pretexto de que nos faltou ir ao museu da Paula Rego. :-)
    Paula

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    Respostas
    1. Paula, este é muito bom e muito curto. Mas não bate Maria Judite de Carvalho, claro :) o meu próximo post há de ser sobre contos também... e um livro que custa 1€ na WOOK! ;)
      Gostei muito do Vale da Paixão, mas não é um livro fácil, não - é daqueles que primeiro se estranha...
      Fico muito feliz com a aquisição e com o efeito de Maria Judite - é uma autora que gosto sempre de recomendar, porque gosto verdadeiramente do seu trabalho, é menos conhecida do que merece... e até agora nunca desiludiu ninguém que lhe pegasse por minha "culpa"!
      Qual o outro livro que trouxeste da Dejà Lu? Saudades dessa livraria... é realmente uma perdição!
      Também ainda não fui ao Museu da Paula Rego... ai, os pretextos para ir a Cascais!

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    2. É a melhor sensação do mundo, quando recomendamos os nossos autores preferidos e a reacção é tão entusiasta quanto a nossa, não é?
      Na Dejá Lu comprei também A Mulher em Branco do Rodrigo Guedes de Carvalho para ler com a Ana do Sabor dos Meus Livros. Li a Casa Quieta há uma data de anos e nunca mais comprei nada dele mesmo tendo gostado tanto. Eu, aos/às portugueses/portuguesas experimento-os todos desde que a escrita seja mais aprimorada que a da Rita Ferro e menos densa que a da Agustina.
      Fico a aguardar essas futuras opiniões, porque sou masoquista e quero ficar ansiosa por ler mais livros! :-)
      Bom fim de semana, Bárbara!
      Paula

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    3. Está a ser excelente ver tanta reacção positiva, sem dúvida! :)
      Confesso que nunca li Rodrigo Guedes de Carvalho. Talvez tente... sou mega reticente quanto a autores portugueses e só mais recentemente lhes decidi dar uma chance. Confesso que li Agustina e gostei - mas sim, é denso, do pouco que li.
      Muito obrigada, Paula! :) bom resto de fim de semana, também!

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  2. 'É sempre interessante ler sobre Lisboa quando se está num eléctrico, símbolo tão típico da cidade.' ahah imagino
    '(...) sempre a fazerem nascer as realidades pela primeira vez.' muito bom
    Gostei da conferência que ela deu, tenho de ler algo dela em breve!

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    1. Fiquei tanto tempo no eléctrico, ainda por cima :o
      Queres ler este ou o Vale da Paixão? :p romance ou contos? Escolhe, escolhe :p

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  3. Nunca li nada de Lídia Jorge, mas não sei, tão-pouco tenho muita vontade... Há uma resistência que não sei de onde vem que não me deixa ter curiosidade e pegar em qualquer obra sua... Gostei muito da tua opinião, mas temo que nem ela vai abanar essa resistência... Talvez daqui a uns anos...

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    1. Ana, eu gostei do pouco que li de Lídia Jorge, mas não julgo, porque infelizmente, confesso, tenho sempre alguma reticência quanto a autoras portuguesas - tenho sempre algures no fundo da minha cabeça que pode vir a ser xaropada tipo (diz a reputação, que nunca li) margarida rebelo pinto ou rita ferro...

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