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The Secret History

I suppose at one time in my life I might have had any number of stories, but now there is no other. This is the only story I will ever be able to tell.


Este livro é incrivelmente popular e há algum tempo que aguardava a sua vez na minha estante. Com uma leitura conjunta promovida pela Cátia, chegou a sua vez derradeira de ser lido. The Secret History é um livro sobre um mistério, um homicídio - logo nas primeiras páginas sabemos quem foi a vítima, e quem cometeu o crime, restando-nos saber o porquê.

Por que é que Bunny teve de morrer?

O narrador é Richard Papen. Richard é um rapaz de classe média baixa, com origens na Califórnia e que, após algumas reviravoltas na sua vida, dá por sim em Hampden, uma universidade privada em Vermont a estudar grego e os clássicos. Isto seria relativamente banal, não fosse o facto de o professor de grego da universidade, Julian, fazer das suas aulas e do curso um grupo elitista onde ninguém entra.

Os seis personagens principais são, portanto, todos estudantes: os alunos de Julian, a turma que estuda os clássicos. Além de Richard e de Bunny, temos Henry, Francis e os gémeos, Charles e Camilla. Estudantes que bebem chá e/ou whisky, que vão passar fins de semana à casa de campo dos tios de um deles. O grupo de estudantes dos clássicos é considerado "excêntrico", mas "excêntrico" não é a palavra correcta. Usam fatos de tweed e gravatas de seda para ir às aulas. A única mulher do grupo é comparada a Helena de Tróia (única mulher dos clássicos de quem Donna Tartt se lembrou, talvez?).

Em termos de pessoas detestáveis, este livro está a par de Wuthering Heights, com menos crueldade animal. A Camilla é possivelmente a única tolerável dos seis, e ainda assim é-o porque a sua única função é - adivinharam - servir de interesse romântico. É etérea, uma das irmãs Lisbon de Eugenides, uma aparição. Que passa o tempo todo com os restantes, não tendo portanto grande redenção.

Being the only female in what was basically a boys’ club must have been difficult for her. Miraculously, she didn’t compensate by becoming hard or quarrelsome. She was still a girl, a slight lovely girl who lay in bed and ate chocolates, a girl whose hair smelled like hyacinth and whose scarves fluttered jauntily in the breeze. But strange and marvelous as she was, a wisp of silk in a forest of black wool, she was not the fragile creature one would have her seem.

O Francis e o Charles acabam por ser praticamente a mesma personagem, só que o Francis é gay. Julian, o carismático professor, é tão carismático que... raramente aparece. A sua suposta influência premente não é sentida no livro. É estranho. Não me incomodam personagens pouco desenvolvidas, em geral - o problema é que estas personagens são centrais, e, fora o Julian, estão constantemente presentes.

O grande problema do livro não é exactamente o quão péssimas e não-gostáveis são todas as personagens. Todas. São arrogantes, avarentas, pretensiosas, dramáticas, egoístas e profundamente amorais. Grande parte do livro descreve os vários intervenientes a fumar, beber, consumir drogas, conduzir carros, e a falar mal uns dos outros e a tentar acabar com a vida deles (desta vez, não literalmente. Não sempre, vá). Mas recordemos que eu adoro o clássico da Emily Brontë. A questão aqui é que o livro acaba por ser tão obsessivo e egoísta quanto as suas personagens, porque muitas das situações não levam a lado nenhum.

A parte confusa: a autora procura fazer-nos sentir empatia para com os personagens após o homicídio do seu amigo e a forma como o escondem, tentam encobrir e até mesmo quase incriminar terceiros. Mais que isso, há pontos em que parece procurar fazer o leitor identificar-se com estes alunos. Com o seu despeito, o seu sentimento de superioridade, com o facto de viverem como se estivessem nos anos 40 e não no início dos anos 90 (canetas de tinta, cheques, fatos de tweed). É suposto ficarmos encantados com o grupo? Senti-me quase forçada a isso, mas não aconteceu.

A minha personagem preferida era Bunny. Bunny é uma das personagens que faz o livro incrivelmente pouco credível: não só é pouco provável que os vários personagens existissem ou viessem a tornar-se amigos uns dos outros, mas é extremamente improvável que um atleta disléxico e cleptomaníaco fosse aceite num programa avançado de clássicos.

Mas sabem o que é que o Bunny tinha de bom? O Bunny era real. Era aquele amigo que nunca tinha dinheiro e se aproveitava subtilmente da amizade alheia, o amigo que prometia pagar depois e não o fazia. Era o único do grupo (para além de Richard) que tinha uma vida para além do grupo. E era o único que os via, a todos, por quem eram, quem fingiam ser, quem queriam ser.

After all, the appeal to stop being yourself, even for a little while, is very great.

E é claro que ter um amigo honesto que está sempre a relembrar-nos das nossas mentiras e fracassos se torna inconveniente. Mais ainda quando ele se apercebe do crime que cometemos.

O que acontece é que Henry, espécie de líder do grupo, e os outros (excluindo Richard) querem imitar um bacanal (riamos todos do pretensiosismo idiota, do amor cego pelos gregos, pela parvoíce). No dia em que decidem excluir também Bunny, conseguem entrar numa espécie de transe - e acidentalmente cometem um homicídio. O grupo não fica preocupado (o privilégio!!!), porque se tratava de um simples agricultor. Nunca falam do assunto, nunca se sentem mal, até que Bunny descobre. E Bunny tem uma consciência, e quer expô-los de alguma maneira. E aqui começa o problema, porque é tudo fun and games até que alguém com moral se apercebe do que está errado e decide agir sobre o assunto.

O livro está dividido em duas partes: a primeira, é até à morte de Bunny. É uma boa metade do livro, é tensa, sabemos o que vai acontecer, mas como? Porquê? Quando? Esta parte funciona bastante bem. A segunda parte do livro é composta pelas "consequências", por tudo o que se passa após a morte de Bunny, com o grupo a tentar lidar com o facto de terem matado o amigo, e ainda uma prolongadíssima viagem à casa de família dele para assistir ao funeral (que era totalmente dispensável e não acrescentou absolutamente nada).

How quickly he fell; how soon it was over.

A partir daqui, o livro... quebra. Muito. Gostei de ver as reacções dos transeuntes à morte de Bunny: todas as pessoas que mal o conheciam, horrivelmente preocupadas e pesarosas. Mas piora. Um dos problemas, por exemplo, é que, no final, acontecem várias pequenas coisas e revelações que em nada acrescentam ao livro. A relação sexual grotesca que nos é apresentada é ignorada logo de seguida (não é consequente). Torna-se um pouco aborrecido.

Gosto do momento em que todos se apercebem não saber qual o motivo pelo qual seguem as indicações de Henry, como e quando ele se tornou numa espécie de líder. Em contrapartida, há o momento Raskolnikov de Henry que, na minha humilde opinião, não resulta.

Henry’s a perfectionist, I mean, really-really kind of inhuman - very brilliant, very erratic and enigmatic. He’s a stiff, cold person, Machiavellian, ascetic and he’s made himself what he is by sheer strength of will. His aspiration is to be this Platonic creature of pure rationality and that’s why he’s attracted to the Classics, and particularly to the Greeks - all those high, cold ideas of beauty and perfection.

Gosto de acreditar que este livro não é realista. Que a maioria das pessoas não reagiria, ou reagirá, à inconveniência do amigo com homicídio. Que a maioria das pessoas não reagiria assim ao homicídio inicial. As personagens não passam bem pelo significado de matar alguém, porque se metem nesta situação por já terem matado uma outra pessoa, que não planeavam matar. Isto não é sobre pessoas normais que matam o amigo (para isso, vejam o Rope). É sobre pessoas remotamente normais que mataram um tipo durante uma orgia, e que agora matam uma segunda pessoa, desta vez intencionalmente.

Com o clímax da narrativa a acontecer a cerca de metade do livro e as remanescentes ~250 páginas a entrar por plots que não levam a lado nenhum, por vezes tipicamente adolescentes, fica uma sensação tremenda de potencial não aproveitado. Há várias boas ideias no livro: os personagens que querem adaptar os ideais clássicos à vida moderna, a forma como pessoas são levadas ao homicídio de alguém que consideram seu amigo, a moralidade e a forma como a sociedade nos impede de explorar os nossos desejos e ímpetos mais íntimos. Mas nada é levado suficientemente "em diante", especialmente quando o livro procura ser um livro profundo, sobre grandes ideias. Especialmente quando as ideias estão colocadas entre páginas e páginas de alcoolismo e vida universitária banal.

Não tenho a certeza do que correu mal aqui.

A prosa de Donna Tartt faz com que muito do livro valha a pena, embora arraste frequentemente (especialmente depois da morte de Bunny). O final é... estranho, e cansativo. As personagens perdem-se na vida, no fundo. Os impactos da morte de Bunny são grandes. A vida de adulto não é tão glamourosa como os fatos de tweed e os incessantes fluxos de dinheiro dos pais ricos poderiam ter dado a entender. A vida continua.

3,5/5

Podem comprar esta edição aqui, ou em português aqui.

Comentários

  1. Não conhecia mas acho que não seria uma leitura de topo da lista! Beijinhos*

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    1. De facto a minha opinião não foi a mais positiva, mas é o livro preferido de muita gente! :) beijinhos!

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  2. Parece novelesco. Continuo a querer ler.

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  3. Li há uns anos e também não gostei muito... Aliás já o despachei da minha estante... Não me lembro bem porque razão não me agradou, mas talvez tenha a ver com o facto de ser um livro muito grande, de haver a referida quebra na narrativa e de poucas personagens me terem agarrado...
    Resumindo, não tenciono voltar a Donna Tart tão cedo.

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    1. Ui, foi ao ponto de te livrares dele? :) também não me vejo a reler Donna Tartt (talvez, mas não será uma prioridade), mas sim - tem uma quebra muito grande na narrativa, e há muitas personagens sem interesse, infelizmente!

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  4. Li o teu post um pouco na diagonal, excepto a parte da da apreciação final, porque, apesar do buzz todo, ainda quero ir um bocadinho às cegas quando pegar nele. Não gosto muito de gente pretensiosa e ambientes universitários, mas pelo-me por personagens detestáveis desde que estejam bem desenvolvidas e justificadas, como as do Wuthering Heights. E as irmãs Lisbon, do que me foste lembrar... Gosto tanto do Eugenides.
    Paula

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    1. Também adoro o Eugenides, embora tenha gostado consideravelmente menos do "Marriage Plot"!
      Consegui ir relativamente às cegas quanto a este livro. Sabia que era numa universidade, que envolvia estudos de gregos. Adoro o Wuthering Heights! :) um dos meus livros preferidos. Outro dos meus preferidos tem um ambiente universitário: Brideshead Revisited, de Evelyn Waugh.
      Ansiosa para que leias este, para saber o que achas!

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    2. PS: Paula! Manda-me um e-mail para o e-mail que está ali no "about". Quero falar contigo :)

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  5. Bom início de post, cativa :p qual será a história pensará o leitor
    Boa foto, foi onde? :p
    Bem esta review foi especial sem dúvida, intensa, não sei bem o que pensar, o que dizer, não sei se quero ler o livro, se não, sinto-me estranho; o que achas Ba, recomendas?

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    1. Tens de ver o filme Dead Poets Society, eu vejo contigo se quiseres :p

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    2. A foto foi na Lambretta Lanchonete, onde fui beber um chá no dia 2 de Janeiro enquanto aguardava que me mudassem os pneus de trás do carro :$
      O início do post é precisamente o início do livro :p
      Acho que devias tentar! Só tentando se sabe se se gosta, é sempre subjectivo :p
      Veremos :o

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    3. É isso, também acho que devia tentar, senti-me mal logo que perguntei

      Temos que nos desafiar, e, lá está, até posso vir a gostar imenso

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    4. São gostos, são gostos :p irei emprestar!

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  6. Tinha-me escapado este post :)

    Perdi a vontade que tinha de ler Donna Tartt, não teria paciência para todo esse enredo, confesso :/

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    1. É aparentemente o livro favorito de muita gente - a mim, passou-me totalmente ao lado. Acho que percebo o apelo, mas para mim falhou em muita coisa...

      Passa à frente, Alexandra, os livros dela são grandes e a vida é curta!

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  7. Ainda quero ler, mas baixei as expectativas depois de ler o teu post. Vou requisitar na biblioteca, em vez de comprar.

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    1. Compreendo, embora não queira achar-me assim tão influente - ouvi maravilhas do livro antes de lhe pegar, apenas não funcionou para mim!
      Eu comprei o meu por menos de 3€ no AwesomeBooks :)

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  8. Não consegui acabar de ler este livro. A verdade é que estava tão entediada que não me apeteceu continuar. Para mim o que aconteceu foi precisamente não me ter identificado nem ter conseguido criar empatia com nenhuma personagem. Queria lá eu saber qual era o segredo ou o que acontecia aos personagens...
    Boas leituras

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    1. Compreendo - também achei um livro muito frustrante, nesse sentido... a certa altura, estava a terminar por terminar. Na segunda parte, o livro perde-se muito!
      Obrigada :) boas leituras

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  9. Quando li este livro na edição portuguesa da Presença, tive dificuldade em concentrar-me em alguma coisa que não fossem as 'milhentas' gralhas que deixaram passar e que perturbam mesmo muito a leitura. Fora isso, a história era cativante e a autora tem um estilo que se lê muito bem. Contudo, comparando este livro a O Pintassilgo, de Donna Tartt também, este último é infinitamente melhor. Aliás: é um livro tocante e que levanta questões que obrigam a pensar. São muitas páginas que queremos ler a grande velocidade. Vale bem a pena.

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    1. Ai, gralhas... são o que tantas vezes me afasta da literatura traduzida para português, confesso :/ ainda por cima, tive um breve "biscate" como revisora de texto, por isso imagina o quanto me apoquentam!
      Talvez procure O Pintassilgo, em versão tão segunda-mão quanto este :) assim nunca se perde muito no investimento!

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