Esta novidade chamou-me imediatamente a atenção devido à sua dupla autoria.
Pelos dois motivos: por ser escrito a quatro mãos, contrariando, como diz Mia Couto no prólogo, a ideia da escrita enquanto acto solitário; e pelos dois autores, embora tenha apenas lido, até à data, uma obra de Agualusa (não obstante ter duas outras na estante).
A expectativa era considerável, e a obra corresponde.
A expectativa era considerável, e a obra corresponde.
O livro reúne três contos, ou novelas, e é a leitura ideal para fazer numa tarde mais descontraída. Todas são baseadas em peças de teatro, também da autoria partilhada de ambos, e essa fonte subentende-se na riqueza dos diálogos, nas didascálias disfarçadas no corpo do texto. Todo o livro está envolto na musicalidade e no humor típicos dos autores, sendo de leitura muito agradável, como era, aliás, de antecipar.
O primeiro texto da obra, aquele que lhe dá título, traz-nos Charles Poitier Bentinho, um angolano elegante, que veste marcas caras e fatos de alfaiate, que é detido por ser suspeito de ter participado em actos terroristas. O homem acredita que consegue voar - e, na prisão, fala com um pássaro que está gravado na parede.
Embora o primeiro conto seja possivelmente aquele de leitura mais fluída e agradável, o segundo e mais longo conto (ou novella, neste caso) do livro, Chovem amores na rua do matador, foi o meu preferido. Baltazar, o protagonista e narrador, decide aceitar o seu passado. Para isso, decide matar três mulheres da sua vida, que sente terem roubado parte da sua vida.
Aqui entre nós, digo-vos, a cabra foi a primeira a fazer sabem o quê? A trair-me. A trair-me, ainda por cima com outro. Pois vai sofrer como me fez sofrer com esse maljeitado, esse marreco da barriga, esse pernilento.
Mas! As mulheres da vida de Baltazar, Mariana, Judite e as Ermelindas, têm também direito a voz neste texto.
Por último, A caixa preta reúne uma família com muitos segredos, todos eles bem guardados - até o fim. O clima é de guerra e violência, realidades infelizmente muito prementes nos países de língua portuguesa em África, bem como a dissolução que estas costumam trazer.
- É bom o senhor lobo estar aqui a ouvir. Assim, parecemos quase uma família.
Gosto bastante de ambos, mas o Mia Couto às vezes cansa-me um bocadinho com tantos neologismos por página. Curiosa para ver se o Agualusa lhe refreou um pouco essa tendência. E tudo em formato curto, ainda melhor!
ResponderEliminarPaula
Confirmo que a tendência está bastante refreada (e, deste lado, senti um pouco a falta, confesso). Formato curto e fluído - peças adaptadas a contos :)
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