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The Boys from Brazil

Nunca fui fã de thrillers, mas nunca serei capaz de resistir aos livros de Ira Levin.


Descobri o autor por acaso. Já tinha Rosemary's Baby como um dos meus filmes preferidos (ainda não tinha percebido a questão do realizador) quando, aos 16 anos, li Non-Fiction de Chuck Palahniuk, onde uma das peças é uma ode à obra de Ira Levin, e como o autor consegue sempre tocar nos medos mais escondidos da humanidade.

Ser substituído por robots, não no trabalho mas na nossa vida pessoal, mais íntima? Ira Levin escreveu sobre isso. Mudar para um apartamento de sonho e ver a vizinhança apoderar-se das nossas vidas e estragar os nossos sonhos? Aqui. Ser observado por um senhorio louco? Ira Levin já cobriu esse assunto (num livro que ainda não li). Mesmo quando a sua obra entra num domínio mais sci-fi, mais absurdo, paranormal, funciona. Porque são medos demasiado reais. São livros baseados numa premissa de "E se...?", e são brilhantes.

Ver Hitler regressar e subir ao poder? Se num século XXI em que o autoritarismo está a reaparecer aos poucos esta é uma ideia algo angustiante, imaginem nos anos 1970, quando muitos dos oficiais nazis estavam à solta na América Latina. E, assim, Ira Levin pega nesse medo, nessa possibilidade, aqui, em The Boys from Brazil.

Two factors are necessary for a resurgence of Nazism; a worsening of social conditions and the emergence of a Hitler-like leader.

Porque, em 1976, data de publicação do livro, o mundo estava ainda muito preocupado com encontrar e capturar os Nazis mais conhecidos. Adolph Eichmann fora encontrado em Buenos Aires e julgado posteriormente. Mas Mengele, o médico dos campos de concentração que fizera experiências  atrozes em gémeos, anões e outros com particularidades físicas, de modo a obter mais conhecimento e informação sobre genética e hereditariedade (supremacia ariana!), estava ainda à solta, algures entre o Paraguai e a Argentina. Terá morrido em 1979 - mas a confirmação da sua morte, através da análise de ADN, veio apenas nos anos 90.

Mengele escapou aos julgamentos de Nuremberga, escapou ao famoso caçador de Nazis Simon Wiesenthal. E, assim, Ira Levin decidiu fazer de Mengele, uma pessoa real, uma personagem principal no seu livro de ficção. Mengele, com a sua obsessão com gémeos, com genética, com a elevada probabilidade de ter, na América do Sul, continuado as suas experiências loucas.

Tinha visto o filme baseado neste livro (com o Gregory Peck) há já alguns anos, pelo que me lembrava do ponto central, mas não de como se chegava lá. Assim, quando começo a ler um livro com uma reunião de homens sul-americanos num restaurante japonês, confesso que não entendi o rumo que a narrativa estava a tomar. Uma conspiração para matar 94 sexagenários à volta do mundo, ao longo de alguns anos? Até que...

They were confident and cunning. They weren't mucking around looking for nuclear weapon secret sloppy seconds in America. They could care less about America. They were busy with the whole world domination thing.

O personagem principal, e cujo ponto de vista seguimos, é Yakov Liebermann, amplamente baseado no já mencionado Simon Wiesenthal. Liebermann é a cabeça do "War Crimes Information Office", em Viena, um escritório minúsculo, pobre, a partir do qual procura caçar Nazis e outros criminosos de guerra, de modo a levá-los a julgamento. Liebermann é, também, idoso, e à medida que o mundo ocidental perde interesse em gastar dinheiro e esforços em encontrar os criminosos, também Yakov perde o ânimo.

Até ao dia em que recebe um misterioso telefonema de um jovem, Barry Koehler, que afirma ter ouvido uma reunião de antigos oficiais Nazis em São Paulo, no Brasil, oficiada pelo próprio Mengele. O jovem alega ter ouvido detalhes de um plano para levar ao fim o destino da raça ariana - o tal de matar 94 homens, todos eles funcionários públicos, todos eles já com uma certa idade. Soa bizarro, sim, e mesmo um dos homens na reunião expressara este sentimento.

"All of them elderly civil servants, and by killing them we fulfil the destiny of the Aryan race?"

Não faz qualquer sentido, mas cabe a Liebermann compreender o motivo por trás deste plano, seguir as pistas, os culpados, sem qualquer apoio oficial, seja financeiro, seja em capital humano. Procura, assim, ajuda não oficial, de amigos vários, sejam um correspondente da Reuters, seja da Young Jewish Defenders

A premissa aparentemente sem sentido fica sem explicação até sensivelmente meio do livro, agarrando o leitor até ao fim. É um mistério absurdo, e acompanhamos Liebermann à medida que o vai resolvendo, com alguns despistes pelo caminho. Sentimos simpatia pelo protagonista, um idoso já fisicamente reduzido, sem os recursos que um dia tivera, mas com a mesma determinação e dedicação à causa.

Philosophers have warned us: if we forget the past, we are doomed to repeat it.

Temos a missão de Yakov, tentando compreender o motivo por trás dos homicídios aparentemente sem sentido em países e continentes diferentes; a questão do pós-WWII e o que aconteceu a certas figuras proeminentes; e um terceiro aspecto, aquele que se prende com o plano de Mengele, que levanta grandes questões em termos éticos, sociais e científicos.

Há algo na forma como Ira Levin escreve que me prende do início ao fim. Claro que a narrativa pode ser rebuscada, pode parecer entrar no campo do sci-fi, mas não consigo sentir isso. Parece apenas uma extrapolação da realidade - parece possível.

5/5

Podem comprar esta edição na wook ou na Bertrand

Comentários

  1. O Simon Wiesenthal era tão carismático. Agora que me lembraste dele, vou reler Assassinos Entre Nós para o teu desafio quando chegar o mês da não-ficção.
    Paula

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    Respostas
    1. Desconhecia o livro! Confesso que, para mim, a não-ficção será mesmo um desafio :)

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