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Uma família inglesa

O desafio para Agosto era ler um clássico do séc. XIX.


Tendo lido um batalhão de vitorianos em tempos idos, decidi virar-me para um clássico português e um autor que, para mim, seria uma estreia. Assim, li Uma Família Inglesa, de Júlio Dinis, autor que tinha nas mais altas recomendações após o meu respectivo ter lido e adorado o seu mais popular, as Pupilas. Tendo-me envolvido em várias outras leituras, infelizmente em simultâneo, acabei por deixar a leitura do meu próprio desafio (!) para o final do mês, tendo concluído ainda a tempo.

Já tinha lido no blog da Cristina, e confirmo: os dois primeiros capítulos são tenebrosos e convencem qualquer um a abandonar a leitura. Ao contrário do que comentara no post dela, li o livro começando por esses dois prólogos terríveis; o sobreaviso foi, porém, útil, caso contrário teria realmente passado o livro e optado por uma outra obra.

 

Antes de mais: foi uma experiência bastante positiva, mas não fiquei rendida. A família inglesa consiste em Mr. Richard Whitestone e os seus dois filhos, Jenny, de 22 anos, e Carlos, de 20 (ambos os aniversários ocorrem na trama, vá), que vivem, ironicamente talvez, na Rua dos Ingleses (hoje, do Infante D. Henrique). Mr. Richard, o patriarca, é viúvo e chefe de uma casa comercial, de exportação. Apresenta a rigidez estereotípica britânica. Jenny é tão boa pessoa e tão estimada que é sensaborona, irreal, unidimensional e não consegui gostar dela. A sua presença irritava-me por vezes, o que me impediu de desfrutar mais da obra. No livro, no entanto, toda a gente a adora e venera. Carlos é dado como muito bom, mas facilmente levado pelas loucuras da juventude e propenso a más decisões.

Mais uma vez se verificou a eterna luta entre a teoria e a prática; uma, com seus instintos de jovem, com seus hábitos de atividade, com seus amores pelo futuro e pelo progresso; outra, com a frieza da idade madura, com uma índole, essencialmente prosaica e conservadora, fiel ao passado, que foi seu mestre, desconfiada do futuro que não conhece, severa para com as ideias novas, cujos humores travessos a impacientam.

A muita bondade de muitos dos personagens não me convenceu totalmente, tornando-os menos interessantes. Curiosidade: Júlio Dinis descreve uma personagem feminina como "típica mulher portuguesa" mas, na minha opinião, falha em fazer-se compreender. Continuo sem perceber o que ele queria dizer com isso...

 

Uma das más decisões de Carlos, com a qual abre o livro (após o dito prólogo) é passar a noite do seu aniversário - que calha ser véspera de Carnaval e o qual, sabe-se lá como, ele esquecera - com os seus "amigos", um bando de arruaceiros pelos quais é difícil sentir qualquer simpatia (e dos quais nem Carlos parece gostar muito), acabando por ir a um baile de máscaras. Neste baile, conhece uma misteriosa rapariga que não lhe revela a sua identidade, mas que aparenta saber muito sobre ele. Drama ensues.

Entre o romantismo e o realismo, Júlio Dinis apresenta um romance assolapado, um amor à primeira vista (e à primeira conversa, claro) permeado por descrições de espaços, locais e pessoas. O drama, o horror, a tragédia! Mas as ruas e o Águia de Ouro, a Rua de Santa Catarina e a Foz, as senhoras de má fama e do teatro e a burguesia, fazem valer a pena a leitura, desviar um pouco do estereótipo romântico da donzela doente de amores, do amor impossível.

4/5

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Comentários

  1. Parece que fizemos a mesma leitura. :)

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    1. Fiquei cheia de saudades do Porto! O que seria óptimo: que Cecília tivesse tido o mesmo desenvolvimento de personagem que o seu pai.

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  2. Ui... ao tempo que li este livro! Na minha adolescência, talvez no 10º ano. Apesar de na altura ser obrigatório ler, eu até gostei de ler e ainda me ri com algumas passagens.
    A parte da "típica mulher portuguesa" não era mais que recatada, submissa e outras coisas que tais na altura... enfim...

    Beijos e abraços.
    Sandra C.
    Bluestrass

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    1. Tem efectivamente partes com o quê de humorístico, ali a balançar com o dramático :) acho que é uma leitura fluída e agradável, não obstante a personalidade (ou falta dela) da irmã Jenny ser de levar ao desespero!

      É possível: achei a descrição do autor vaga e sem grande conteúdo. Cecília era tão recatada que acaba por nem ser muito desenvolvida na obra... :)

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  3. O melhor de teres lido este livro foi teres postado fotos do Porto estando ele tão fresquinho na minha mente. As igrejas são todas lindíssimas (devo ser a ateia mais paradoxal neste meu apreço estético pelas igrejas) e esta perspectiva da ponte (que atraveseei, claro) é muito bonita.
    Este livro foi um dos poucos snooze-fests do meu percurso liceal, mas fiquei muito motivada a voltar a Júlio Dinis depois do que ouvi no nosso encontro. Curiosamente, eu e a Ana Lopes, em agosto, lemos "O Rio do Esquecimento" da Isabel Rio Novo que é um belo retrato do Porto nessa mesma época, em que a autora consegue recriar o mesmo tipo de escrita. Está longe de ser perfeito, mas é muito interessante.
    Paula

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    1. As fotos já são antigas, mas é uma cidade da qual gosto muito. Ainda em Junho de 2019 andei a conduzir pela VCI e dei três voltas à Ponte da Arrábida por erro humano, do GPS, e humano outra vez :D as igrejas, por fora, são lindas; por dentro, fiquei muito fã do Palácio da Bolsa e da Igreja de S. Francisco (acho), ao lado. A foto da ponte foi tirada das muralhas, nas quais creio que não é exactamente legal passear...
      Os dois primeiros capítulos são um snooze fest total, depois disso a leitura flui bastante. Quanto à Isabel, nunca a li, mas tinha-a em wishlist para Feira do Livro. Recomendas esse em particular?

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    2. Nem mais a propósito, a Ana acabou de publicar o vídeo de opinião sobre O Rio do Esquecimento. Ela gostou um pouco mais do que eu. Eu não gostei muito da estrutura, que me manteve afastada das personagens, mas a escrita é excelente. Se quiseres, levo-to no próximo encontro ao vivo. Podes pô-lo de quarentena na varanda. ;-) Parece-me que A Febre das Almas Sensíveis vai ser melhor.

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  4. Tenho Júlio Dinis na estante desde que me lembro de ter consciência... e nunca li nada dele. Em 2010 quis muito ler A Morgadinha dos Canaviais porque me disseram que fazia lembrar o estilo de Jane Austen, mas nunca concretizei. Também cá tenho Família Inglesa e as Pupilas.
    Quando pegar neste vou lembrar-me de ser tolerante com os dois primeiros capítulos ;)

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    1. O meu respectivo adorou as Pupilas; um amigo meu leu as Pupilas e a Morgadinha e diz ter gostado ainda mais da Morgadinha.
      Neste, honestamente, pode-se saltar os dois primeiros capítulos e tudo: em resumo, há um senhor inglês que tem uma casa de exportação, é viúvo e tem dois filhos. O pai é muito estereótipo inglês, rígido e sério. A filha é muy prendada e boa moça e um anjo doméstico. O rapaz tem um óptimo coração mas é boémio. É tudo, em menos penoso :)

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