Não é a primeira vez que leio Ana Gil Campos.
Conheci a autora através do seu livro anterior, As Impertinências do Cupido, um livro leve que cruza as narrativas de várias personagens num bairro de São Paulo. Mais uma vez, foi a autora a convidar-me para ler a sua obra, tendo publicado o primeiro capítulo do mesmo no seu blog, aqui. Tendo o primeiro capítulo aguçado a minha curiosidade, aceitei o convite para ler também esta obra - convido-vos a, pelo menos, ler o primeiro capítulo.
É logo aqui que conhecemos a protagonista, uma jovem professora, Cândida. Cândida parece ter uma relação algo sinistra com as redes sociais, como podemos compreender a partir deste capítulo.
Cândida não precisou de tirar esta fotografia num simpático momento que passou com eles. Através de uma das redes sociais que usa, e depois de aprovado o pedido de amizade que lhes enviou, escolheu uma das fotografias da família, onde se encontram todos juntos e risonhos num dia de praia, e mandou-a imprimir. Depois, só precisou de passar numa loja para comprar uma moldura que ficasse bem e assim foi: fácil e simples. Fê-lo como algo natural, algo com sentido.
Mas rapidamente compreendemos que não é Cândida que não se sabe relacionar com os outros, que vive por trás de redes sociais, vidrada nestas: toda a sociedade nesta obra tem uma relação intensa e dependente das tecnologias. Há chips e telemóveis sem os quais as pessoas não têm memórias ou capacidade de relacionamento interpessoal. Há alienação total.
É aterrador e, embora distópico, é possível que não esteja assim tão longe.
A aniversariante começa por dizer estar muito emocionada, exibindo uma folha com uma expressão de pequena lágrima a cair do olho, que não contava que os pais tivessem convidado tantas pessoas de quem ela gosta, exibindo duas folhas, uma expressão de boca aberta de admiração e outra expressão de sorriso feliz, e espera que todos se estejam a divertir tanto como ela, exibindo duas folhas, uma expressão de gargalhada e outra expressão animada com óculos de sol. Tudo isto dito sem qualquer expressão no próprio rosto, com a cara que usa sempre como uma máscara.
Cândida começa a ter reacções adversas à tecnologia e, após reflectir sobre o assunto - sobre a sua total dependência desta, sobre a forma como redes sociais dominam (e minam) a interacção humana e mesmo o seu dia-a-dia - decide cortar radicalmente com este modo de vida. Rodeada por pessoas que continuam a levar a vida que ela abandonou, frustrada, compreendendo os vários problemas que daí advêm, acaba por ouvir falar numa aldeia com inibidores de sinal de rede que bloqueiam a internet, "obrigando" as pessoas a lidarem não só umas com as outras mas com elas mesmas, e arrenda lá uma casa.
O conceito de aldeia costuma vir associado a modos de vida esquecidos, e é isso que Cândida encontra nesta aldeia (à revelia da sua família, que não a compreende): o convívio, as interacções não artificiais, a calma e o sossego; ao mesmo tempo, as notícias falam de um alastrar de uma doença cujos sintomas são uma forte apatia, inexpressividade e deformidade nos polegares (hah!).
Embora com toques futuristas, até mesmo distópicos, a sociedade aqui descrita não parece totalmente distante. Há smartphones e smartwatches que conhecem demasiado bem o seu utilizador e causam dependência, apps que permitem que as pessoas se lembrem não só umas das outras e retirem daí assuntos de conversa, mas que permitem que as pessoas se lembrem de factos sobre si próprias - reiterando essa dependência. Muitos personagens apercebem-se que algo estará errado, mas é difícil escapar a esta realidade.
Extremamente pertinente. Escrita muito elegante, edição de autor cuidada e bonita.
| PASSATEMPO|
Entretanto, a autora disponibilizou - surpresa! - um segundo exemplar para que eu possa oferecer a um de vós este Natal. Para participarem, basta comentarem aqui o motivo pelo qual querem ler este livro, dizendo por que rede social me seguem (e com que nome) para que vos possa contactar. O vencedor será seleccionado via random.org ; anunciarei o vencedor dia 19 de Dezembro, ainda a tempo do Natal, na caixa de comentários.
4/5
Podem comprar esta edição directamente à autora.
Li o outro livro da autora e gostei, fiquei com vontade de ler este pelo tema tão atual e pertinente.
ResponderEliminarSigo-te no Instagram como Vício dos Livros.
Jinho
Beijinhos, Sandra :)
EliminarLembro-me de me falares desta obra e de ter ficado curioso, sentimento que não foi atenuado após a leitura deste post, muito pelo contrário
ResponderEliminarOra, eu (como sabes) não te sigo em qualquer rede social porque não as tenho, logo, não irei participar no desafio, até porque tu tens o livro não fazendo sentido termos dois iguais
No entanto queria deixar aqui o meu testemunho de como tinha saudades de ler o teu blogue e de como gosto quando fazes este tipo de desafios
De facto dificulta um pouco a participação, mas creio que me segues com o perfil do blogger :p mas não faria sentido termos ambos o livro! :D
EliminarGostaria de ler este livro pois é um tema bastante actual para algumas pessoas.
ResponderEliminarInstagram: @pmtoliveira
Obrigada, Pedro! Anotado!
EliminarOlá Bárbara,
ResponderEliminarGostava de ler o livro pelo simples motivo de teres falado dele. Já li o primeiro capítulo e fiquei com vontade de ler o livro na íntegra.
Além disso, não conhecia Ana Gil Campos e gosto de aproveitar todas as oportunidades de conhecer novos autores, sobretudo aqueles que ainda não são conhecidos do grande público.
Sigo-te no Instagram, onde sou art_and_bibliophilia :)
Obrigada, Vanessa! :) de facto, o primeiro capítulo aguça logo a curiosidade!
EliminarVanessa, parabéns!! Ganhaste o passatempo :) irei combinar contigo a entrega do livro!
Eliminarfiquei com imensa curiosidade pelo tema e por dizeres que tem toques de distopia.
ResponderEliminareste ano parece que fomos todos atirados para uma distopia e a reviravolta é que deixou de o ser a partir do momento que se tornou o nosso dia-a-dia...
sigo-te no IG e sou a @rarariita ^^;
Merciii :*
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