Como ler Marjane Satrapi após ter lido Persepolis?
Em Frango com Ameixas, Marjane Satrapi apresenta-nos um relato da vida e da morte (especialmente da morte) do seu tio, o célebre músico Nasser Ali Khan, que nunca conheceu. A vida de Nasser Ali Khan é-nos contada lentamente ao longo da sua última semana de vida, numa procura de significado repleta de melancolia. É o desistir da vida pela música e pelo amor.
Teerão, 1958. Quando o tar (um instrumento de cordas) de Nasser fica irremediavelmente partido, este procura um novo instrumento que o substitua, sem sucesso, pois tudo lhe soa mal. Faz longas viagens, adquire a elevado custo a versão tar de um Stradivarius, mas nada é capaz de o satisfazer. A única solução possível parece ser renunciar ao mundo e, durante oito dias, Nasser deseja morrer. Ao longo desta semana, vemos flashbacks vários (e mesmo flash-forwards), encontros com amigos e família, peças que compõem o puzzle da sua vida e que se encaixam na sua decisão de desistir da vida.
Parece uma decisão egoísta; vários elementos da família tentam convencê-lo disso. Mesmo a morte parece não querer nada com ele, por enquanto. Mas Nasser está decidido.
A recriação destes últimos dias de vida, da espera pela chegada da morte, está repleta de traços de humor, mas também de melancolia, de paixão, de sonhos, de fantasias, de desilusões - tal como a vida de Nasser e as suas relações familiares. Aprendemos mais sobre a sua infância e juventude, sobre o seu casamento e filhos, sobre como se quebrou o seu tar e, acima de tudo, como quebrou o seu espírito, o que arruinou a música e o fez desistir de viver.
A narrativa não é linear, e o final leva-nos de volta às páginas iniciais do livro, num momento de realização muito forte. O traço negro e simplista é elegante e característico da obra de Satrapi; apesar da aparente simplicidade, as emoções e expressões dos personagens são brilhantemente capturadas e cativam o leitor.
É uma obra profundamente diferente de Persepolis: embora se trate, também, de uma história de vida, e embora exista algum comentário social e cultural do Irão da época, o foco aqui é no amor, na paixão, na arte, naquilo que nos inspira e faz com que a vida valha a pena.
5/5
Gostava de conseguir escrever um lindo texto sobre o livro mas não consigo, só de ler a tua review já estou emocionado, foi dos melhores livros que já li
ResponderEliminaré verdade, lindíssima e de uma enorme sensibilidade, esta obra!
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