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Nós Matámos o Cão-Tinhoso

Um clássico da literatura moçambicana.


Tinha este livro à minha espera na estante há cerca de dois anos, numa compra motivada por Os da minha rua, de Ondjaki. Há, na obra de Ondjaki, todo um capítulo emocional sobre a leitura da obra de Luís Bernardo Honwana.

O Cão-Tinhoso é, muito simplesmente, um cão tinhoso. Um cão velho, doente, moribundo. Só Isaura, uma menina, gosta dele - faz-lhe festas, alimenta-o. E, por isso, Isaura é considerada louca.

Mas o narrador da história é Ginho, um rapaz que é gozado por todos os colegas, na escola, nos jogos de futebol. Ginho sente alguma empatia pelo cão, embora não consiga perceber porquê.

O Cão-Tinhoso tinha uns olhos azuis que não tinham brilho nenhum, mas eram enormes e estavam sempre cheios de lágrimas, que lhe escorriam pelo focinho. Metiam medo, aqueles olhos, assim tão grandes, a olhar como uma pessoa a pedir qualquer coisa sem querer dizer.

E um dia o Dr. Duarte, veterinário, pressiona e convence os rapazes a abater o Cão-Tinhoso a tiro. O Cão-Tinhoso com os seus olhos azuis, coloniais. Decadente e já perto da morte.

Aquilo para que Ondjaki não me havia preparado, era o facto de este ser um livro de contos (sendo o primeiro, e mais comprido, o que dá título à colecção). É uma colecção de contos curtos e vívidos, que demonstram um Moçambique rural, de forma directa, nos vários aspectos do dia-a-dia. A temática principal prende-se com a situação política da altura (o livro data de 1964), com a hierarquia colonial a permear a vida dos personagens.

Mas as histórias são, na sua mensagem política, muito subtis. Muitas são-nos apresentadas do ponto de vista de crianças e, ainda que indirectamente, a tristeza, o sofrimento, a violência e o racismo estão lá. E, nesse sentido, a narrativa transcende Moçambique: torna-se universal.

O meu conto preferido foi As mãos dos pretos:

"Deus fez os pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho, Ele pensou que realmente tinha de os haver... Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já não os pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é apenas obra dos homens... Que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos."

Luís Bernardo Honwana foi preso no ano de publicação deste livro, por defender a independência de Moçambique. Compreende-se, assim, a importância desta obra para a literatura e cultura nacionais, sendo denunciadora do colonialismo português (esteve aliás proibida até ter o reconhecimento devido com a independência de Moçambique).

4/5

Podem comprar esta edição na wook ou na Bertrand

Comentários

  1. Tão bonito este excerto!
    Não conhecia este livro nem este autor, e hoje fiquei um bocadinho mais culta. :-)
    Paula

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    Respostas
    1. É uma boa opção para adquirir na Feira do Livro - comprei o meu na Cotovia, em 2017, por 3,50€ :)

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  2. OI GENTE PRECISO DE UM TRABALHO

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