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Elizabeth and Her German Garden

Possivelmente um dos livros mais específicos que já li: uma mulher e o seu jardim.


Como o título deixará adivinhar, o livro é sobre uma mulher e o seu jardim. Um pouco mais a fundo: é um livro semi-autobiográfico, escrito por Elizabeth von Arnim (autora de The Enchanted April, também na estante), nascida na Austrália em 1866, sobre a sua vida e o seu jardim na região de Nassenheide, na Pomerânia, onde ficava a casa do seu marido.

A ideia é que a casa do marido ficaria num local bastante remoto e retirado da Alemanha, algo que, para uma mulher naquela altura, seria deprimente e reclusivo (recordemos que, em 1898, a vida de uma mulher da nobreza seria, basicamente, a sociedade). No entanto, Elizabeth encontra consolo, alegria e um enorme passatempo entre os seus livros e o planeamento do seu enorme jardim. Este livro é escrito como uma espécie de diário, no qual são descritos episódios e anedotas familiares.

Entre o marido, que é denominado "The Man of Wrath" (ou também "Sage" - e é algo claro que a relação de ambos não será a melhor), as três filhas e algumas visitas de sociedade, Elizabeth passa os seus dias. É um livro introspectivo e, em pontos, sentimental. O marido não a compreende, claramente e, como acha o jardim de Elizabeth supérfluo, excêntrico e parvo, não a ajuda em nada (monetariamente falando - claro que Elizabeth planeia o jardim, mas não trabalha efectivamente nele).

E não é só o marido que a vê assim.

The people round about are persuaded that I am, to put it as kindly as possible, exceedingly eccentric, for the news has travelled that I spend the day out of doors with a book, and that no mortal eye has ever yet seen me sew or cook. But why cook when you can get some one to cook for you? And as for sewing, the maids will hem the sheets better and quicker than I could, and all forms of needlework of the fancy order are inventions of the evil one for keeping the foolish from applying their hearts to wisdom.

É interessante ver, especialmente através das suas visitas, Irais e Minora, esta última britânica, que vão com ela passar o Natal, a sociedade alemã. Numa altura em que as mulheres estavam confinadas à sociedade, ao lar, à igreja e à cozinha, Elizabeth revela não saber cozinhar, por exemplo. Enquanto Virginia Woolf advogava o room of one's own, Elizabeth apresenta, de certa forma, o garden of one's own, um espaço no qual se sente feliz, pode fazer o que quer, onde se sente livre.

Claro que um livro sobre um jardim pode soar aborrecido - a mim, o conceito soava estranho. Mas o diário que nos é apresentado, que começa efectivamente por descrever os jardins mas vai ampliando o seu âmbito, está recheado de comentários sardónicos sobre os filhos de Elizabeth, sobre o seu marido, sobre as suas amizades e outros detalhes da sua vida.

Elizabeth é privilegiada e, possivelmente, solitária - o que poderá explicar o quão horrível ela soa por vezes nas suas fortes opiniões, especialmente no que toca às visitas indesejadas. No Natal, com Minora, Elizabeth é intratável e absolutamente horrível; Minora não é uma pessoa fácil, e é fácil simpatizar com Elizabeth, mas...

Oh, my dear, relations are like drugs, - useful sometimes, and even pleasant, if taken in small quantities and seldom, but dreadfully pernicious on the whole, and the truly wise avoid them.

Mas a autora é um pouco irritante. Por exemplo, isto é o que Elizabeth diz sobre trabalhar num jardim, quando o que era esperado dela era ficar em casa - enquanto se queixa de não poder ser ela a fazer a jardinagem, e pode apenas dar ordens (embora seja estranho pensar que ela não se pudesse dedicar ao jardim?).

It is not graceful, and it makes one hot; but it is a blessed sort of work, and if Eve had had a spade in Paradise and known what to do with it, we should not have had all that sad business of the apple.

Há uma descrição particularmente interessante quando Elizabeth vai visitar a casa onde cresceu, mas não fala com os primos que a herdaram - e encontra o seu próprio fantasma nos jardins. Há vários momentos divertidos ao longo do livro.

As suas filhas são retratadas com enorme afecto, em pequenas estórias infantis relatadas com amor materno. Como são de alta sociedade, têm uma governanta - de quem Elizabeth não gosta particularmente.

In common with most governesses she has a little dark down on her upper lip, and the April baby appeared one day at dinner with her own decorated in faithful imitation, having achieved it after much struggling with the aid of a lead pencil and much love. Miss Jones put her in a corner for impertinence. I wonder why governesses are so unpleasant? The Man of Wrath says it is because they are not married. I would add that the strain of continually having to set an example must surely be very great. It is much easier, and often more pleasant, to be a warning than an example.

E se este tipo de comentários parece mau, porém, divertido, há que mencionar que este livro não é um conto de fadas bucólico sobre os prazeres da vida rural para a nobreza alemã e o quão enfadonho é entreter visitas (das que ficam semanas a fio). Há um episódio em que um jardineiro é internado num hospício:

He took to going about with a spade in one hand and a revolver in the other, explaining that he felt safer that way, and we bore it quite patiently, as becomes civilised beings who respect each other's prejudices, until one day, when I mildly asked him to tie up a fallen creeper -- and after he bought the revolver my tones in addressing him were of the mildest, and I quite left off reading to him aloud -- he turned round, looked me straight in the face for the first time since he has been here, and said, "Do I look like Graf X --  --   --  -- (a great local celebrity), or like a monkey?"  After which there was nothing for it but to get him into an asylum as expeditiously as possible. 

Mais que isso, no mesmo capítulo em que Elizabeth relata ter visto o seu próprio fantasma na propriedade onde cresceu, há um retrato da mão-de-obra que não envelheceu muito bem (para dizer o menos). Aqui, é descrito como muitos dos trabalhadores do casal são imigrantes russos e polacos, que são mantidos sob vigilância armada, por receio que fugissem para trabalhar para os agricultores locais (que pagavam melhor). A um trabalhador, Elizabeth refere-se como "stork", pois, tal como as cegonhas, migra anualmente para poder ver a sua esposa que ficou na Rússia.

As mulheres também trabalhavam, mas por ainda menos dinheiro, para "não serem encorajadas"; as grávidas davam à luz durante a manhã e, da parte da tarde, regressavam ao trabalho. O Man of Wrath diz que a sua força se devia a não usar corpetes. Também defendia a violência doméstica observada entre os russos (para visível desconforto de Elizabeth, vá).

Novamente... não envelheceu muito bem.

4/5

Podem comprar uma outra edição em inglês aqui 
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Comentários

  1. Este foi o segundo livro da autora que tentei ler. O primeiro foi o "Vera", que dava uns ares a "Rebecca", mas com uma protagonista mais totó, que me fez desistir. Este, em teoria, tinha tudo para me agradar: uma mulher que gosta de estar sozinha, de livros e de jardins. Check, check, check! Mas depois, como dizes, é tão privilegiada, tão ociosa e tão enjoadinha, que me alienou por completo. Claro que não jardinava! Ia ficar com unhas de cavador e picar a sua pele de pérola nas urtigas? Ah ah!
    Ainda tenho a sequela, The Solitary Summer, cuja premissa também me parece fantástica, mas vamos lá ver a sua execução...
    Paula

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    1. Ui! Eu da autora tenho, também, The Enchanted April... Esse Vera não conheço. Também desististe deste? É que (na minha humilde opinião), após umas boas páginas de jardinagem, fica um bocado mais engraçado - naquela de ela ser tão má pessoa de uma forma tão tonta que dá vontade de rir. Faço sentido? O tratamento dela da visita indesejada, a Minora, é tão mau, mas a forma como ela relata aquilo como se tivesse direito a muita indignação é tão engraçada...

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    2. Se gostar do Solitary Summer, sou bem capaz de insistir no do jardim. Tenho um fraquinho por personagens desagradáveis, mas tenho de criar alguma empatia com elas.
      Desisti do German Garden e do Vera. Quando são livros da biblioteca ou audiobooks de acesso gratuito, não fico muito tempo a sofrer. Só sou mais teimosa com livros que comprei, porque a vida está cara, mesmo quando são pechinchas. ;-)
      Paula

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    3. Eu este acho que vai melhorando - no início quando foca muito no jardim acho um pouco mais aborrecido, depois é uma leitura mais leve!
      Perfeitamente compreensível :) este, para mim, foi mega pechincha - directamente do Awesome Books...

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  2. Já tinha ouvido falar deste...acho que vou passar.

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    1. Eu gostei, mas de facto é preciso conseguir pôr de parte tanto privilégio :)

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