Sabem aquele livro do homem que adormece humano e acorda insecto? Este é um livro sobre um homem que adormece em Amesterdão e acorda em Lisboa.
Comprei este livro, aliás, precisamente por essa premissa. Herman Mussert, escritor de livros de viagem sob um pseudónimo, antigo professor de literatura clássica (gregos e latinos), adormece na sua casa e acorda não num quarto qualquer, mas num quarto de hotel; naquele que, vinte anos antes, tinha sido cenário do seu caso com uma mulher casada, Maria Zeinstra, professora de biologia na mesma escola em que Herman trabalhava.
Herman não sabe como chegou aqui - não sabe como é que está num país diferente, como é que tem escudos na carteira (o livro é dos anos 90), como é que o pessoal do hotel não estranha a sua presença. Mussert, o escritor Dr. Strabo, o professor "Socrates" (pela sua semelhança com o filósofo), são todos o mesmo homem. O mesmo homem, que não sabe se está morto, se viajou no tempo, se está a alucinar, se há alguma outra possibilidade que não lhe ocorra. Sabe, apenas, em que quarto se encontra.
A partir deste ponto, somos levados numa breve viagem ao longo dos mais importantes eventos da sua vida - e começamos a compreender, aos poucos, o que se passa.
Herman recorda Lisa d'India, uma muito bonita e talentosa aluna, adorada por todos pela sua inteligência e pelos ideais que representava. Lisa d'India era especialmente adorada por Arend Herfst, poeta e professor de basketball, que se envolve com a rapariga. E depois há Maria Zeinstra, a esposa de Arend, professora de biologia, que começa um caso com Herman Mussert, não por amor ou por desejo, mas puramente por vingança. E Herman não sabe disto.
Até porque um caso com uma mulher casada vai um pouco além das capacidades que Herman tem no que respeita a interacção humana.
"Damn know-all," or "If you ask me, you don't even notice whether I"m here or not," were often-heard complaints, along with "Must you read all the time?" and "Do you ever think of anyone else?" Well, I did, as it happens, but on such occasions it was usually not of them. Besides, I simply had to get back to my books right away, because the company of most people, once the predictable events have take their course, does not inspire conversation on my part.
Porque Herman não planeara a relação: não sabe como a gerir (e acaba por não ter de o fazer), é simplesmente usado pelo casal, como uma peça num jogo, ainda que não com as piores intenções.
Mas o foco da obra não é a relação: é Herman, que cita os clássicos, como Ovídio e Tacitus, que aprecia mais as palavras do que tudo o resto no mundo, que pondera a arte e a cultura, a filosofia, que julga que tudo é inútil quando comparado com os gregos e latinos (e eu confesso que a maioria das referências me passou ao lado).
E porquê Lisboa? Porque foi essa noite que despoletou uma série de eventos na vida de Mussert, que alterou completamente a sua vida. Que levou àquela tarde em que o marido de Maria Zeinstra o humilhou publicamente, arrasou com a sua carreira, colocando Mussert no centro do palco. Observado por todos. E é por isso que está em Lisboa, a mexer nas feridas de amores há muito perdidos, memórias de adultério e situações passadas.
I am sitting on the wall of the castle, looking out over the city, the river, the dish of sea beyond. Oleander, frangipani, laurel, great elm trees. A girl is sitting nearby, writing. The word "goodbye" is drifting in the air around me and I can't seem to catch hold of it. This entire city is a goodbye. The fringe of Europe, the last shore of the first world, it is there that the corroded continent sinks into the sea, dissolves into the infinite mist which the ocean resembles today. This city does not belong to the present, it is earlier here because it is later. The banal has not yet arrived. Lisbon is reluctant. That must be the word, this city puts off the moment of parting, this is where Europe says goodbye to itself. Lethargic songs, gentle decay, great beauty. Memory, postponement of metamorphosis. Not one of those things would find its way into Dr Strabo's Travel Guide. I send the fools to the fado taverns, for their dose of processed saudade. Slauerhoff and Pessoa I keep to myself...
Perto do final do livro, encontramos Herman num barco com seis outras pessoas a partilhar histórias das suas vidas, como se se tratassem de sonhos, numa forte tensão até ao final. O barco tem como destino o Brasil, atravessando o Atlântico, subindo o Amazonas. As personagens contam as suas histórias e, um por um, desaparecem. Herman Mussert pensa nos seus dias de professor, pensa em como gostaria de estar com Sócrates e Ovídio num panteão celeste.
The Following Story é um livro confuso, confesso - escrito de forma bonita, mas confusa. É um livro sobre o amor, amor pela beleza, pela poesia, por uma aluna, pela coragem, pela verdade, e por Maria Zeinstra.
Comprei este livro, aliás, precisamente por essa premissa. Herman Mussert, escritor de livros de viagem sob um pseudónimo, antigo professor de literatura clássica (gregos e latinos), adormece na sua casa e acorda não num quarto qualquer, mas num quarto de hotel; naquele que, vinte anos antes, tinha sido cenário do seu caso com uma mulher casada, Maria Zeinstra, professora de biologia na mesma escola em que Herman trabalhava.
Herman não sabe como chegou aqui - não sabe como é que está num país diferente, como é que tem escudos na carteira (o livro é dos anos 90), como é que o pessoal do hotel não estranha a sua presença. Mussert, o escritor Dr. Strabo, o professor "Socrates" (pela sua semelhança com o filósofo), são todos o mesmo homem. O mesmo homem, que não sabe se está morto, se viajou no tempo, se está a alucinar, se há alguma outra possibilidade que não lhe ocorra. Sabe, apenas, em que quarto se encontra.
A partir deste ponto, somos levados numa breve viagem ao longo dos mais importantes eventos da sua vida - e começamos a compreender, aos poucos, o que se passa.
Herman recorda Lisa d'India, uma muito bonita e talentosa aluna, adorada por todos pela sua inteligência e pelos ideais que representava. Lisa d'India era especialmente adorada por Arend Herfst, poeta e professor de basketball, que se envolve com a rapariga. E depois há Maria Zeinstra, a esposa de Arend, professora de biologia, que começa um caso com Herman Mussert, não por amor ou por desejo, mas puramente por vingança. E Herman não sabe disto.
Até porque um caso com uma mulher casada vai um pouco além das capacidades que Herman tem no que respeita a interacção humana.
"Damn know-all," or "If you ask me, you don't even notice whether I"m here or not," were often-heard complaints, along with "Must you read all the time?" and "Do you ever think of anyone else?" Well, I did, as it happens, but on such occasions it was usually not of them. Besides, I simply had to get back to my books right away, because the company of most people, once the predictable events have take their course, does not inspire conversation on my part.
Porque Herman não planeara a relação: não sabe como a gerir (e acaba por não ter de o fazer), é simplesmente usado pelo casal, como uma peça num jogo, ainda que não com as piores intenções.
Mas o foco da obra não é a relação: é Herman, que cita os clássicos, como Ovídio e Tacitus, que aprecia mais as palavras do que tudo o resto no mundo, que pondera a arte e a cultura, a filosofia, que julga que tudo é inútil quando comparado com os gregos e latinos (e eu confesso que a maioria das referências me passou ao lado).
E porquê Lisboa? Porque foi essa noite que despoletou uma série de eventos na vida de Mussert, que alterou completamente a sua vida. Que levou àquela tarde em que o marido de Maria Zeinstra o humilhou publicamente, arrasou com a sua carreira, colocando Mussert no centro do palco. Observado por todos. E é por isso que está em Lisboa, a mexer nas feridas de amores há muito perdidos, memórias de adultério e situações passadas.
I am sitting on the wall of the castle, looking out over the city, the river, the dish of sea beyond. Oleander, frangipani, laurel, great elm trees. A girl is sitting nearby, writing. The word "goodbye" is drifting in the air around me and I can't seem to catch hold of it. This entire city is a goodbye. The fringe of Europe, the last shore of the first world, it is there that the corroded continent sinks into the sea, dissolves into the infinite mist which the ocean resembles today. This city does not belong to the present, it is earlier here because it is later. The banal has not yet arrived. Lisbon is reluctant. That must be the word, this city puts off the moment of parting, this is where Europe says goodbye to itself. Lethargic songs, gentle decay, great beauty. Memory, postponement of metamorphosis. Not one of those things would find its way into Dr Strabo's Travel Guide. I send the fools to the fado taverns, for their dose of processed saudade. Slauerhoff and Pessoa I keep to myself...
Perto do final do livro, encontramos Herman num barco com seis outras pessoas a partilhar histórias das suas vidas, como se se tratassem de sonhos, numa forte tensão até ao final. O barco tem como destino o Brasil, atravessando o Atlântico, subindo o Amazonas. As personagens contam as suas histórias e, um por um, desaparecem. Herman Mussert pensa nos seus dias de professor, pensa em como gostaria de estar com Sócrates e Ovídio num panteão celeste.
The Following Story é um livro confuso, confesso - escrito de forma bonita, mas confusa. É um livro sobre o amor, amor pela beleza, pela poesia, por uma aluna, pela coragem, pela verdade, e por Maria Zeinstra.
And so now I was in love, and thus a member of the same weak, glutinous fraternity of one-track-minded automatons which I have always claimed to despise.
Não obstante ser um livro muito curto, constitui um desafio, precisamente pela forma como está escrito, com os seus floreados, com o surrealismo que o envolve, com as fantasias e memórias de erros passados em que Mussert se perde.
Creio que o livro não ficará na minha memória por muito tempo...
Respondendo à pergunta inicial sei, gostei muito, foste tu que me emprestaste o livro e tudo :p tal como o the Trial, que é um livro fortíssimo
ResponderEliminar'I send the fools to the fado taverns, for their dose of processed saudade.' ahah
Aprecio o teu espírito critico, a mim parece-me que o livro até pode ter coisas interessantes mas não é de facto um livro que me puxe muita curiosidade
Já leste outras obras do Nooteboom?
Boa foto :p
Verdade, tenho (temos? :$) de ler mais Kafka! Achei uma analogia interessante porque ambos os livros têm inícios assim, de pessoas que acordam em situações diferentes daquelas em que adormeceram :p
EliminarSim, o livro tem os seus momentos e acredito que tenha muitos pormenores que me escaparam! Mas não irá ficar para a história :p
Não, foi a minha estreia :$
Bolinho de cenoura :p
Temos :p
EliminarSim é uma boa analogia sem dúvida; quanto ao bolo de cenoura gosto muito também!
🦖
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