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Girl in a Band

Queria ler este livro desde soube que saiu.


O primeiro motivo é óbvio: adoro Sonic Youth e consegui vê-los ao vivo, em 2010, antes de acabarem. Também sempre tive uma enorme admiração pela baixista, Kim Gordon, e a achei inspiradora. Assim, ler um livro de não-ficção de sua autoria pareceu-me desde logo apelativo.

O segundo motivo é o facto de, tal como muitos outros fãs da banda, ter ficado traumatizada com o divórcio que levou ao desmembramento da banda. Ler este livro colocou Experimental Jet Set, Trash and No Star em rotação repetitiva no meu carro, numa experiência mais imersiva. E continua a custar saber que a banda acabou, e saber o porquê.

O divórcio é, obviamente, explorado, parecendo até o mote para o livro: é mencionado no primeiro capítulo, levando a uma retrospectiva de Kim Gordon sobre a sua vida e carreira, ao longo da obra e, novamente, no seu final. Há algo muito "por resolver" naquilo que Kim nos conta (ou decide contar - há alguma distância, e não dá para perceber se é ou não propositada) - ao fim de quase 30 anos de relação e banda, é normal que a sua vida esteja a mudar.

Ou seja: é bastante fiel à imagem que a artista cria, de distância, de effortlessly cool, e vale a pena. É uma perspectiva cínica e, por vezes, dura. Fala por vezes um pouco mal de outras bandas alternativas que chegaram à fama, às vezes emocionalmente bem de outras pessoas (nomeadamente, Kurt Cobain, que diz ter conhecido mal, mas com quem sentiu uma forte ligação).

Someone once wrote that in between the lives we lead and the lives we fantasize about living is the place in our heads where most of us actually live.

A vida de Kim Gordon teve vários momentos fascinantes. Cresceu nos anos 60, viveu em Hong Kong, foi da California para a cena artística em NYC... os seus antecedentes de classe média académica faziam-na sentir incapaz de se integrar, uma estranha entre estranhos, mas nunca se sentindo parte da cena do rock. Antes de chegarmos a Sonic Youth, conhecemos mais sobre a sua adolescência, sobre a sua relação complicada com o irmão mais velho, que veio a formar muitos dos comportamentos e atitudes de Kim Gordon.

Além de Sonic Youth, Kim Gordon teve outros projectos: uma linha de roupa, produção de música e filmes e, o que mais me fascinou, artes plásticas, revelando vários pormenores e atenção a coisas como roupa, filmes e capas de álbuns, dando pontos de vista interessantes sobre performance, confiança, simbolismos e significados.

For me performing has a lot to do with being fearless. I wrote an article for Artforum in the mideighties that had a line in it that the rock critic Greil Marcus quoted a lot: “People pay money to see others believe in themselves.” Meaning, the higher the chance you can fall down in public, the more value the culture places on what you do. Unlike, say, a writer or a painter, when you’re onstage you can’t hide from other people, or from yourself either.

Ficamos a saber mais sobre os primórdios da relação de Kim e Thurston e de Sonic Youth, a ligação profunda entre ambos e a forma como se revelava na forma como criavam música juntos. Como faziam disso algo especial. Nos capítulos mais dedicados à banda, é possível descobrir mais sobre a forma como abordavam canções, álbuns, o processo criativo, como a banda se integrava e interagia com outras bandas... e, mais tarde, as dificuldades de juntar a maternidade com as tours (o facto de os jornalistas perguntarem como era ser a girl in a band, ou uma mãe numa banda - mas nunca um rapaz, ou um pai).

A dor nas descrições do desmoronar de um casamento de 27 anos devido a infidelidade é quase palpável; Kim e Thurston seguem caminhos separados, Kim volta a virar-se para a arte, procura novas colaborações musicais. É uma descrição muito honesta, aberta e íntima. Dei por mim a torcer por ela.

Today, when I think back on the early days and months of Thurston’s and my relationship, I wonder whether you can truly love, or be loved back, by someone who hides who they are.

Apesar de apreciar Kim Gordon enquanto música, devo admitir que a sua escrita fica um pouco aquém - talvez por, mesmo que inconscientemente, ser difícil não comparar com Just Kids, que li recentemente. Quem não seja fã da artista, ou de Sonic Youth, poderá achar o livro aborrecido. Creio também que o livro teria maior interesse se se focasse na sua infância, na sua juventude, nos seus anos de NYC. A banda, o casamento, o divórcio demasiado recente - poderiam ter sido outro livro.

4/5

Podem comprar esta edição na wook, na Book Depository ou na Bertrand; ou em português, na wook ou na Bertrand

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