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Gideon Falls: O Celeiro Negro ; Pecados Originais

A chegar atrasada àquele que foi sem dúvida um dos enormes lançamentos de 2019.


Tão atrasada que, para compensar, li os dois volumes de seguida. E agora estou ansiosa pelo terceiro porque preciso de saber mais.

Num pequeno (e muito parvo) aparte: o primeiro volume abre com uma personagem de máscara, colocando luvas, o que, tendo em conta os tempos que correm, conseguiu ser ainda mais bizarro e sinistro do que aquele que julgo ter sido o intuito de Jeff Lemire e Andrea Sorrentino.

Este homem é Norton Sinclair, um jovem adulto com vasto historial de problemas psiquiátricos e sem família, que cresceu em instituições e tem uma compulsão por acumular pedaços e farpas de madeira e pregos que encontra no lixo. A história deste homem é-nos apresentada em paralelo com a do Padre Fred, um padre católico que acaba de ser colocado numa paróquia num meio algo rural, por um bispo que parece ter algum interesse nesta colocação. O próprio Padre Fred tem, claramente, um segredo obscuro no seu passado, que o atormenta - e está implícito que o homem que ele vai substituir terá desaparecido ou morrido.

Pouco depois da chegada do Padre Fred à sua nova paróquia, um crime horrível acontece, e o Padre começa a ter visões de um celeiro que não se encontra fisicamente lá: o mesmo celeiro que atormenta Norton.

 

Toda a acção decorre em Gideon Falls, em duas narrativas paralelas: a de Norton Sinclair numa área claramente mais urbana da terra (quase parece haver duas Gideon Falls), mas sem perder o feel e o ambiente de small town America, de cidade pequena com grande segredo; um pouco como Twin Peaks. E, como em Twin Peaks, há muitas pessoas que sabem mais do que o que dizem, há pessoas obcecadas com o mistério, há crimes macabros e muitos segredos.

Além dos dois homens já referidos, há uma panóplia de outros personagens, moradores de Gideon Falls, estranhos, obsessivos, mas reais e credíveis - que se começam a envolver nos eventos misteriosos, todos eles relacionados de algum modo com o celeiro, e que remontam até 1700 e troca o passo. Uma psiquiatra sem paciência, uma polícia que já não fala com o pai, que em tempos fora médico, o condutor do autocarro escolar da comunidade rural...

Mais que terror, a obra apresenta-nos um mistério, que fica mais intrincado a cada capítulo que passa; e Jeff Lemire sabe precisamente contar-nos menos do que gostaríamos de saber, deixar o leitor com mais questões à medida que avança com mais informação. É enfurecedor, num óptimo sentido. O conceito é extremamente original, porque oscila entre o terror clássico, o âmbito do mito urbano, a ficção científica e o sobrenatural (a roçar no religioso). E, no fim, pode nem ser sobre nada disto.


A arte de Andrea Sorrentino surpreendeu-me particularmente. Há páginas com inúmeros fragmentos, para observar durante largos minutos, mesmo sem qualquer fala. Há layouts diferentes do habitual, visões amplas acrescidas de pequenos detalhes, o que acaba por acrescentar à história, enriquecê-la e ajudar a interpretações diversas. O desenho parece quase nervoso, acrescentando à atmosfera da obra. Ambas as histórias que acompanhamos - a de Norton e a do Padre Fred - prendem de igual maneira, são consistentes e surpreendem no momento em que, no final do segundo volume, Pecados Originais, acabam por se cruzar.

E o que significa o nome Norton Sinclair?

Não faço ideia do que vem a seguir - mas quero mais, e mais.

5/5, ambos!

Podem comprar ambos os volumes directamente à editora.

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