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Stoner

Lido em Janeiro e imediatamente leitura do ano.


E também um livro sobre o qual é muito difícil escrever. Logo no primeiro capítulo, sabemos que Stoner morreu, e que a sua vida não foi memorável.

William Stoner nasceu em 1891 e cresceu numa quinta tão pequena que não passava da agricultura de subsistência. Sempre pensara que o seu futuro seria igual ao dos seus pais, com os quais vivia: estudar um pouco, viver, trabalhar e morrer na quinta. O trabalho árduo de quinta do início do séc. XX. O seu pai, porém, tinha outros planos para ele: com dificuldade, enviou-o para a University of Missouri, para estudar engenharia agrária (ou algo semelhante). Stoner ficaria na quinta de uns primos, a trabalhar para pagar a sua estadia e a sua educação, sendo que o apoio dado pelos seus familiares era nulo. Assim, Stoner tinha pouco tempo para se preocupar com os estudos.

Tudo muda numa aula de inglês, quando aquele que seria o seu futuro mentor, Archer Sloane, lhe pede a sua opinião sobre o Soneto 73 de Shakespeare:

That time of year thou mayst in me behold,
When yellow leaves, or none, or few, do hang
Upon those boughs which shake against the cold,
Bare ruined choirs, where late the sweet birds sang;
In me thou seest the twilight of such day
As after sunset fadeth in the west,
Which by and by black night doth take away,
Death's second self that seals up all in rest;
In me thou seest the glowing of such fire
That on the ashes of his youth doth lie,
As the deathbed whereon it must expire,
Consum'd with that which it was nourish'd by;
This thou perceiv'st, which makes thy love more strong,
To love that well, which thou must leave ere long.

Curiosamente, um soneto sobre a morte e o desvanecer da vida. Este momento agita de tal forma Stoner, que ele decide mudar de curso e estudar inglês. Sem contar, no momento imediato, à sua família. Apenas na cerimónia de fim de curso revela que não irá regressar.

The love of literature, of language, of the mystery of mind and heart… the love which he had hidden as if it were illicit and dangerous, he began to display, tentatively at first, and then boldly, and then proudly.

Stoner continua os seus estudos, e faz dois amigos: Gordon Finch e Dave Masters. Dá-se a Primeira Guerra Mundial e, ao contrário destes, decide tornar-se professor e não se alistar. Começa-se a sentir aqui um padrão: Stoner a remar contra a corrente, a seguir o seu próprio caminho. Com o armistício e o regresso dos soldados, Stoner conhece uma jovem atraente, Edith.

Edith tem um ar bonito e frágil e isso atrai Stoner. Stoner acha que pode ser bom para ela. Que podem ser bons um para o outro. Edith é distante e não quer saber particularmente dele, mas ele, ainda assim, declara-se. Visita-a em casa dos seus pais, e ela começa a debitar factos sobre si mesma, terminando por dizer que, se é para casar, que casem logo - e que tentará tudo para ser uma boa esposa.

Years later it was to occur to him that in that hour and a half on that December evening of their first extended time together, she told him more about herself than she ever told him again. And when it was over, he felt that they were strangers in a way that he had not thought they would be, and he knew that he was in love.

E, desde o primeiro momento, o casamento não corre bem. Stoner não encontra a companheira que procurava, mas alguém que espreita sempre nas sombras, com crueldade calculada, tornando-o incapaz de se defender. William Stoner encontra consolo nos livros e na Universidade, em Jesse Hall.

Muito poderia ser dito sobre Edith - as breves descrições da sua infância reprimida, a sua relação com o pai, o vácuo emocional, a forma como oscila entre a diligência e períodos longos sem sair da cama.

Stoner persiste. Faz inimigos nos seus colegas de trabalho. Tem pouco jeito para as "políticas" laborais, pelo que vai ficando para trás na carreira. Conhece, finalmente, o amor.

In his forty-third year William Stoner learned what others, much younger, had learned before him: that the person one loves at first is not the person one loves at last, and that love is not an end but a process through which one person attempts to know another.

É um livro incrivelmente melancólico, repleto de pequenos momentos de esperança - mas John Williams consegue privar o seu herói de felicidade, momento após momento, em pequenos actos de auto-sabotagem que conseguem sabotar tudo. Casamento, amor, família, carreira. Tudo. Tudo desaba, excepto o seu amor pelo ensino. Stoner não é um livro fácil de ler, não por ter prosa densa, não por ter vários significados escondidos, mas por ser tão duro. Tão doloroso.

É impossível não torcer por Stoner, à medida que o tempo passa e os seus planos fracassam, mesmo sabendo, desde o início, como a sua história acaba. Mas, apesar de tudo, Stoner encontra-se a si mesmo. E é talvez por isso que o autor diz que Stoner teve uma vida feliz.

But William Stoner knew of the world in a way that few of his younger colleagues could understand. Deep in him, beneath his memory, was the knowledge of hardship and hunger and endurance and pain. Though he seldom thought of his early years on the Booneville farm, there was always near his consciousness the blood knowledge of his inheritance, given him by forefathers whose lives were obscure and hard and stoical and whose common ethic was to present to an oppressive world faces that were expressionless and hard and bleak.

5/5

Podem comprar uma outra edição em inglês na wook, na Book Depository ou na Bertrand; ou em português, na wook ou na Bertrand

Comentários

  1. Li-o também este ano, gostei muito e não conseguia para, apesar de ser um belo livro sobre um derrotado na vida.

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    1. É deprimente, pesado, é difícil de pousar. É um livro muito, muito bom.

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  2. Tenho-o para aí há uma década e tenho tanto medo de me desiludir que o adio sempre!
    Paula

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  3. "Stoner não é um livro fácil de ler, não por ter prosa densa, não por ter vários significados escondidos, mas por ser tão duro. Tão doloroso."
    Agreed - os últimos capítulos em especial, num misto de vontade de desfecho e expectativa de derrota (do personagem, de quem o lê).

    Concordo também que Edith (sendo horrível) tinha ali muita coisa a terapeutizar - assim como Grace.

    Gostei muito; sinto apenas que o livro se torna ligeiramente uni-focado na perda - no refúgio - na desilusão (mesmo que aceite como inevitável). A vida é mais do que isso.

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    1. Pobre Grace.

      A vida pode ser mais do que isso; e mesmo a vida de Stoner o foi. Ele teve um laivo de esperança quando descobriu a sua verdadeira paixão na literatura e no ensino. Utilizou-os como refúgio posteriormente, é certo - mas, por outro lado, regressava também àquilo que funcionava para ele, aquilo que o fazia feliz (não obstante a sua tremenda apatia perante tudo).

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