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Mexican Gothic

A premissa de Mexican Gothic intrigou-me desde o início.


Gosto de gótico - talvez até mais em filmes que em livros - e o facto de este livro retirar o gótico de Inglaterra e o colocar no México foi muito apelativo. A protagonista é Noemi Taboada, uma jovem socialite no México dos 1950s (julgo), filha de um empresário, e ocupa os seus dias em festas, namoros, tocar piano e a tentar descobrir o curso que deseja para prosseguir os seus estudos (muito moderno, dada a época) - actualmente, está a ponderar antropologia. É teimosa, decidida e tem resposta para tudo; e, quando a sua prima, Catalina, envia uma carta misteriosa a pedir ajuda, o pai decide enviar Noemi para ver se está tudo bem.

"He is trying to poison me. You must come for me, Noemi. You have to save me."

Reminiscente de My Cousin Rachel! Catalina tinha casado com Virgil Doyle, um homem de ascendência britânica após uma relação fugaz, e desde o casamento vivia numa mansão remota numa vila mineira, tendo limitado o contacto com a família abruptamente. Assim, esta carta alarmante é recebida com choque pela família, especialmente quando seguida por uma carta do marido a dizer que o que Catalina tem, na verdade, é tuberculose - e é preciso tirar a limpo o que se passa realmente.

A casa ancestral dos Doyle, chamada High Place (um clássico gótico - uma casa ancestral com um nome!) está delapidada. Todos os elementos góticos se reúnem aqui: a casa arruinada que parece ter vida (ou fantasmas), a fortuna perdida ao longo do tempo, os segredos familiares, as mortes misteriosas dos antepassados, um vago toque de sobrenatural que permeia o ambiente desde o início.

Houve muito neste livro que me lembrou de Crimson Peak, filme do qual gostei mais do que gosto de admitir (mas sou fangirl do Guillermo, e de filmes góticos), mas há algo que demarca as duas histórias: a localização. O México dos anos 50, ainda a lidar com as Revoluções; a pobreza do enquadramento rural, e o peso da colonialização, especialmente do envolvimento dos Doyle, cuja família teve um papel central no destino da população local.

There're heavy places. Places where the air itself is heavy because an evil weighs it down. Sometimes it's a death, could be it’s something else, but the bad air, it'll get into your body and it'll nestle there and weigh you down. That's what's wrong with the Doyles of High Place.

A visão do actual patriarca Doyle sobre o povo mexicano, na realidade, é classista e racista (e revela obsessão com eugenia); e é aqui que entra o interesse de Noemi por antropologia, porque tem resposta ao abuso verbal de que é vítima durante "simpáticas" conversas ao jantar (e pelo qual não se deixa vitimizar - Noemi não foge do conflito).

Tudo o que está errado no que envolve High Place e os Doyle tem raízes profundas, antigas, intergeracionais, tudo está interligado em vários atentados contra a dignidade dos que são "exteriores" à casa e à família, em prol do seu bem estar. Apesar do sobrenatural, tudo isto é facilmente reconhecido e realista, corrupto e corrompível.

She wanted to be liked. Perhaps this explained the parties, the crystalline laughter, the well-coiffed hair, the rehearsed smile. She thought that men such as her father could be stern and men could be cold like Virgil, but women needed to be liked or they'd be in trouble. A woman who is not liked is a bitch, and a bitch can hardly do anything: all avenues are closed to her.

Mexican Gothic não é, no entanto, livre de falhas. Uma delas prende-se com os personagens: embora Noemi seja interessante, por ser determinada, por encarar os Doyle, por agir perante o perigo e o bizarro, os outros personagens parecem sub-desenvolvidos e têm algum desenvolvimento apressado. O outro problema é a escrita; o livro (escrito na terceira pessoa, mas seguindo sempre Noemi) tem tiradas como aquela acima, que parecem forçadas. Há também muita repetição, muito arrastar de detalhes que parecem desnecessários (ou, lá está, repetitivos).

Como entretenimento, e para quem gosta de gótico, considero esta leitura uma boa aposta; não é, no entanto, brilhante, e tem momentos de escrita que considero irritantes. Acho que faria um óptimo filme, ou série, pois a narrativa estaria presente, poder-se-ia construir sobre um visual riquíssimo de opulência passada e decadência profunda, omitindo algumas das falhas da escrita mais flagrantes.

4/5

Podem comprar esta edição na wook ou na Bertrand; não se encontra traduzido para português


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