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O Homem de Ferro + A Mulher de Ferro

Nunca tinha lido Ted Hughes, e comecei por aquele que é possivelmente o registo mais improvável (mas tenho Birthday Letters à espera na estante).



O Homem de Ferro data de 1968 e A Mulher de Ferro de 1993; será importante referir desde já que 25 anos separam o primeiro livro da sua sequela. Estas edições têm as ilustrações de Andrew Davidson, que não são as originais mas as que surgiram na reedição de 1985 de O Homem de Ferro e que foram nesse ano premiadas com o Kurt Maschler, prémio que, entre 1982 e 1999, premiou livros para crianças onde ilustrações e texto estivessem em perfeita simbiose.

Acrescento também que nunca vi The Iron Giant, de Brad Bird, mas consta que é um filme muito bom e muito diferente do material que o inspira.

O primeiro capítulo de O Homem de Ferro foi tanto assustador quanto triste. Talvez seja uma metáfora da vida do autor, a forma como o Homem de Ferro caiu de uma ravina, se desfez em pedaços, mas se conseguiu voltar a reconstruir - para ser visto como um vilão.

Na primeira metade do livro, após esta reconstrução, o Homem de Ferro aterroriza uma vila (countryside inglês, diria, a zona onde Hughes cresceu) comendo tudo o que são os seus produtos metálicos, como carros, material de agricultura e afins; um rapaz, Hogarth, porém, consegue arranjar forma de dialogar com esta criatura (difícil de categorizar; será um robot?). Na segunda parte, um verdadeiro vilão aparece, e é o Homem de Ferro que serve como veículo de esperança.



Não querendo entrar em muitos detalhes sobre o livro - consta que já o spoilei no podcast no ano passado -, esta segunda parte do livro parece pouco relacionada com a primeira, e é um pouco estranha. No entanto, serve também uma mensagem pacifista, que não sei ser literal (sobre as guerras entre humanas) ou figurada (guerras internas, como a do Homem de Ferro que se teve de reconstruir no início).

Apenas uma das mãos de ferro, junto a uma velha bota de pescador comida pelo mar, aninhada na areia, acenou com os dedos durante algum tempo, como um caranguejo de barriga para o ar. Depois fiou quieta.
Enquanto as estrelas davam a volta ao céu e o vento puxava as ervas no topo do penhasco e o mar fervia e ribombava.
Ninguém soube que o Homem de Ferro caíra.

O estilo como este livro está escrito é poética e lírica (percebe-se não obstante a tradução). Os capítulos são curtos e simples, é uma leitura simples e agradável e com alguns temas para pensar (o medo do desconhecido, o preconceito em vez da inclusão, o apreço humano pela guerra), e a conclusão é muito bonita, mas perde um pouco pela forma como o livro parece dividido em duas partes.

A Mulher de Ferro introduz uma nova personagem a este mundo, sendo que esta Mulher parece constantemente zangada, ao passo que o Homem de Ferro parecia apenas ter fome - o que é compreensível quando compreendemos o que a motiva. Esta Mulher de Ferro surge para dar voz a quem não a tem: o rio e a sua fauna, que sofrem com os dejectos de uma fábrica nas proximidades que estão a matar a natureza em nome do dinheiro e do negócio.

Aqui, é Lucy quem descobre a Mulher de Ferro, e pede ajuda a Hogarth, que se tornara famoso por ter sabido lidar com o Homem de Ferro no livro anterior. A Mulher de Ferro mostra a Lucy o sofrimento do rio e dos seus habitantes, e levanta-se a questão: como nos comportaríamos se soubéssemos o sofrimento que causamos à natureza, se este para nós fosse análogo ao sofrimento humano?

- Aquilo que ouviste - disse a voz -, é o que eu ouço a toda a hora.
- Mas o que é? - perguntou a Lucy novamente.
- Isto - disse a voz -, é o grito do pântano. É o grito dos insetos, das sanguessugas, das minhocas, dos lagostins, dos alfaiates, dos escaravelhos, dos sargos, das percas, das carpas, dos lúcios, das enguias.



Se o seu predecessor tinha uma mensagem curta contra a guerra, A Mulher de Ferro é sem dúvida um livro com temática ecologista mais forte. O livro mantém a beleza e o talento de Ted Hughes visíveis, embora o apelo do livro anterior se perca um pouco; também notório é o facto de ter sido escrito anos antes de os desastres ambientais se terem tornado prementes. Julgo que tem como objectivo mudar as perspectivas de quem o lê, melhorar a forma como se vê a vida e o mundo, tendo em vista como não é fácil simplesmente reverter tudo o que aconteceu até hoje.

Este livro também termina numa nota positiva, embora mais bizarra ainda que o livro anterior. A narrativa tem também vários pontos estranhos e um subtexto que pode ser considerado algo sexista (as mulheres ficam sem saber o que fazer sem os homens para tomar conta das coisas)

Tradução de Sara Vieira

4/5 em geral tendo gostado mais d'O Homem de Ferro

Ambos os livros estão esgotados/indisponíveis na Wook, mas talvez tenham sorte directamente com a editora


Comentários

  1. Mais uma dupla para a lista de livros a oferecer às crianças/jovens do meu círculo!

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    Respostas
    1. Comprei com bom desconto na banca da editora na Feira do Livro :)

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