Já ouvira falar sobre Paco Roca, mas este foi o meu primeiro encontro com o autor.
Decidi pegar neste livro numa noite em que, não sabendo se ia ter tempo (em termos de sono) de me dedicar a um livro inteiro, este, composto de dois contos, me pareceu uma escolha sábia. Paco Roca é conhecido, em grande parte, por Arrugas, e por alterar algo na sua obra em toda e qualquer edição nova ou estrangeira. Ou seja, com Paco Roca, estamos sempre a ler uma novidade. E eu acho isso bonito.
O meu namorado, proprietário do volume em causa, tinha-me alertado que as histórias eram bastante diferentes entre si, tendo gostado mais da segunda. Ambas as histórias têm como pano de fundo a Guerra Civil Espanhola, embora de pontos diferentes; e ambas têm em comum o facto de serem ilustradas a duas cores: preto e azul, no caso d'O Farol, e preto e vermelho, n'O Jogo Lúgubre.
No primeiro conto, temos Franscisco, jovem soldado republicano que quer evitar os campos de trabalho para dissensores. Acaba por chegar a um farol, que descobre estar inactivo (a lâmpada nunca mais chega), e onde conhece Telmo, o faroleiro, que o salva de morrer afogado e lhe dá um propósito.
Telmo sobrevive dos despojos que apanha no mar, vindos de naufrágios. Cita Moby Dick, dando esse apodo ao jovem Francisco, que lhe conta como, aos 16 anos, para conquistar uma rapariga, se tinha juntado ao exército dos republicanos. Juntos, Telmo e Francisco constroem um barco. O sonho de Telmo é chegar a uma ilha de sonhos da qual o seu pai lhe tinha falado.
Francisco recupera dos seus ferimentos, e volta a ganhar esperança na vida, enquanto a Guerra Civil continua.
O segundo conto fala-nos do secretário de Salvador Deseo, artista plástico excêntrico. Apesar do nome, é fácil depreender, pelo bigode, pela história, que Deseo se tratará de Dalí; O Jogo Lúgubre é também o título de uma pintura do artista. No prefácio, Paco Roca relata como encontrou num antiquário um livro de um homem que se assumia como ex-secretário do pintor, não tendo resistido ao relato, que terminou de ler praticamente ainda na loja. Paco Roca indica ter apenas alterado o nome do pintor para "Salvador Deseo", mas deixemos o próprio relatar mais sobre o seu processo criativo:
Provavelmente o ponto de partida foi o romance Drácula, de Bram Stroker (…)
Era uma pessoa que vivia num lugar perdido e de difícil acesso, que escandalizava os seus habitantes, que o não percebiam e habitava uma casa velha junto a um cemitério. Uma personagem cuja moral estava à margem da sociedade da sua época e inclusive, como ele dizia, necessitava do contacto da sua terra natal para poder viver. Essa personagem era Dalí.
Inicialmente ilustrada a preto e branco, a história assume os tons de vermelho nesta edição portuguesa.
1936, ano de agitação política profunda em Espanha e na Europa. Quando chega a Cadaqués, Girona, para substituir o antigo secretário do pintor, Jonás Arquero (Jonathan Harker?) é mal recebido pela população, que teme o artista e quer o secretário, desde já, longe. Na casa do artista, perto do cemitério, conhece a sua esposa, Galatea (Gala, na vida real - a mulher retratada em Sonho Causado pelo Voo de uma Abelha ao Redor de uma Romã um Segundo Antes de Acordar), que o informa que será, maioritariamente, contabilista. A casa é labiríntica, estranha e povoada de objectos bizarros.
Os dias avançam... e, com eles, surgem os pesadelos, as insónias, o sangue.
Tal como Drácula precisava da sua terra romena para subsistir, Deseo precisa da terra de Cap de Creus para pintar. Os seus hábitos estranhos aterrorizam a população, gente comum, de cidade pesqueira. O excêntrico pintor é demasiado para eles. E, pelo que Jonás se apercebe - o pintor precisa da população para dar forma aos seus desejos, aos seus sonhos. Porque Deseo está louco.
E o que terá realmente acontecido ao antigo secretário do pintor?
Ambos os contos sabem a pouco - muito pouco. Foram ambos interessantes, de maneiras diferentes, mas foram também confusos, não tendo eu sabido ao certo o que retirar de cada um deles. Enquanto conjunto, são intrigantes: ambos se passam na mesma altura conturbada, ambos relatam momentos e pessoas diferentes num mesmo contexto político. Mas gostava de ter compreendido mais...
Gostei do Rugas, mas gostei mais de A Casa, porque, para mim, o primeiro tem alguns clichés e o segundo é mais nostálgico e logo, para mim, mais tocante. Agora, deixaste-me mesmo curiosa com O Farol, com esse tom azulado que tanto aprecio. Tenho-o em formato digital. Se apreciar a leitura no ecrã, será a minha companhia nos próximos almoços e verei se concordo contigo.
ResponderEliminarPaula
Ficarei atenta à "Casa", do mesmo autor :) já me cruzei com ele, mas o formato pouco convencional deixou-me de pé atrás (olha só para o preconceito!)... Fico a aguardar a tua opinião, Paula! :)
EliminarMas é tão prático para se distinguir numa prateleira cheia de BD, vê-se logo qual é, em vez de estar ali de pescoço torcido! :-)
ResponderEliminarAchei o Farol muito bonito, esteticamente e como história. Mas tenho de trazer essa edição aí da BLX um dia, para ler o Jogo Lúgubre, porque o Dali é um dos meus pintores preferidos.
Paula
É verdade, certamente um volume distinto!
EliminarFico feliz por teres gostado - e fico ansiosa para que leias o Jogo Lúgubre!
Eu talvez partilhe parte do teu pensamento no sentido de terem sabido a pouco, como referiste gostei mais do O Jogo Lúgubre, que foi confuso como O Farol mas um género de confuso que eu gosto (porque também é raro encontrar livros assim, ler obras assim tão estranhas), no sentido em que toda a história me deixa zonzo/tonto quase, é intensa e penetrante, fica na memória mas não por más razões, nem boas, simplesmente é muito estranho e cativante ao mesmo tempo, é difícil de explicar
ResponderEliminarQuanto ao O Farol esperava mais simplesmente, o tema da guerra civil espanhola fascina-me, gosto desse período da história, e por isso talvez também as minhas expectativas sejam maiores; enquanto que O Jogo Lúgubre, pese embora também seja passado nesse período da história, é focado numa personagem que existiu e todos conhecemos e cujas pinturas admiro, e foi 'apenas' confuso, não achei tão curto como O Farol, podia ter sido mais desenvolvido mas não senti essa necessidade como senti para O Farol, basicamente é isso
Num apontamento final devo dizer que em termos de cores é um livro muito bonito, achei que as cores complementam muito bem as histórias
Quero ler mais do autor no futuro porque fiquei intrigado, será que nas outras obras também vai saber a pouco? Quero dar uma segunda oportunidade
Já eu gostei mais d'O Farol, porque me disse mais, a um nível mas profundo, do que a simples estranheza d'O Jogo Lúgubre! Talvez mesmo por ter sido mais focado na guerra e não uma ficção estranha sobre uma pessoa real, pelos sentimentos de guerra terem sido tão bem retratados, algo ali funcionou muito melhor para mim!
ResponderEliminarTambém gostei muito das cores :p
Paco Roca é aparentemente dos autores mais populares segundo a Levoir :p o "Rugas" foi editado pela Bertrand e está esgotado, mas na Levoir existe "A Casa" e "O Inverno do Desenhador"!
Olá Bárbara, acabei agora de ler o Farol e tocou-me bastante. Vou conhecer melhor este autor, sem dúvida
ResponderEliminarsalvo seja, eu ainda só li esta, do autor. mas fiquei com curiosidade para mais :)
Eliminar