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Love in a Cold Climate

Dois anos volvidos, leio finalmente o companheiro de The Pursuit of Love.


Li este livro na minha viagem à Holanda, por saber que ia fazer algumas deslocações entre cidades (e para me distrair no avião). Já tinha saudades de Fanny Logan e dos Alconleigh (Linda, infelizmente, tem muito pouco destaque nesta obra). Este volume, embora seja o "segundo" de uma trilogia (preciso de adquirir o terceiro volume, que não tenho!), não se passa após o primeiro: decorre, sensivelmente, durante o mesmo período de tempo.

Se em The Pursuit of Love Fanny nos relata as aventuras da sua prima, Linda Radlett, aqui temos a história de Lady Leopodina [Polly] Hampton, uma prima afastada de Fanny, pelo lado do pai, filha única dos muito aristocráticos e muito ricos Montdore. A Lady Montdore, Sonia, é produto da aristocracia mais baixa, e o seu casamento com o Earl Montdore é visto como um enorme feito social da sua parte. É-nos descrita como avarenta, egoísta, snob - porém encantadora, uma mulher formidável, com um papel social e influência política enormes. Polly e Fanny crescem muito próximas, afastando-se cerca dos seus 13 anos, quando o Lord Montdore é eleito Vice-Rei da Índia.

Polly Montdore não é como Linda Radlett, que se apaixonava constantemente. É a mais bonita das grandes herdeiras da sua geração, e não aparenta estar interessada em arranjar pretendentes. A princípio, o leitor não sabe o que se passa, dada a história ser narrada por Fanny, que testemunha todos os eventos em torno da vida romântica de Polly, criada para casar com um rei, personagem central desta obra.

She was one of those people you cannot think of except in regard to their looks, which in her case were unvarying, independent of clothes, of age, of circumstances, and even of health. When ill or tired she merely looked fragile, but never yellow, withered or diminished; she was born beautiful and never, at any time when I knew her, went off or became less beautiful, but on the contrary her looks always steadily improved.

Os Montdores, uma das famílias mais ricas de Inglaterra - Fanny, quando convidada, encontra-se dividida entre o seu amor por Polly e o medo de fazer a coisa errada, especialmente perante Lady Montdore. Lady Montdore tem elevadas esperanças no casamento da filha, mas a filha não coopera... isto até ao dia em que Lady Patricia, a irmã do seu pai, morre. Seguimos, assim, a história da bela e perfeita Polly Montdore, no período entre guerras, da sua infância ao baile em que é apresentada à sociedade e, de seguida, o seu casamento escandaloso, com o muito mais velho Boy Dougdale, marido viúvo da sua tia. Numa altura em que uma mulher ainda devia almejar um bom casamento.

"I’ve loved him ever since I can remember. Oh, Fanny—isn’t being happy wonderful?"
I felt just the same myself and was able to agree with all my heart. But her happiness had a curiously staif quality, and her love seemed less like the usual enchanted rapture of old establishment, love which does not need to assert itself by continually meeting, corresponding with and talking about its object, but which takes itself, as well as his response, for granted.

O Flávio gozou constantemente com a capa do meu livro, dizendo que era girly (esta é a versão simpática e não inflamatória do que ele verdadeiramente disse), mas o melhor da escrita de Nancy Mitford é o seu humor - pode parecer irritante ou twee em partes, mas é cusquice, é crítica social, é hilariante, são os adultos mal-comportados da sociedade britânica que têm títulos e não empregos. Pode não ser o gosto de toda a gente - mas quem gostar de livros hilariantes, com personagens loucas e inverosímeis, e momentos agridoces, irá certamente gostar.

Alguns dos personagens do primeiro livro voltam a aparecer: A Tia Sadie, o Tio Matthew, Jassy e Victoria, o tio Davey Warbeck, até Fabrice Sauveterre num cameo quase impossível. Mas há personagens novas. Além de Polly e dos seus pais, temos Boy Dougdale, o tio com tendências quase pedófilas e sexualidade ambígua.

"(...) Well, the Lecherous Lecturer’s lecture was duchesses and, of course, one always prefers people to gates. But the fascinating thing was after the lecture he gave us a foretaste to sex. Think of the thrill! He took Linda up on the roof and did all sorts of blissful things to her; at least she could easily see how they would be blissful with anybody except the Lecturer. And I got some great sexy pinches as he passed the nursery landing when he was on his way down to dine. Do admit, Fanny."

É com este homem que Polly declara que irá casar. Cunhado do pai, amante da mãe. Oops.

Festas de professores universitários em Oxford, bailes em Londres, o topo da sociedade britânica (ou é o que eles pensam que são). Longe da filha, Sonia Montdore acaba por procurar conforto no lar de Fanny (cujo casamento não esconde não aprovar, por ser com um académico e não com um lord). Usa-a como cabine telefónica, e chega quase sempre em momentos inoportunos, como à hora de almoço, quando não é esperada. Há um momento maravilhoso, quando Fanny menciona que o seu marido, Alfred, não considerará Lady Montdore uma "intelectual":

She remembered to ask for Mrs Dalloway before leaving, and went off with the book in her hand, a first edition. I felt sure that I had seen the last of it, but she brought it back the following week, saying that she really must write a book herself as she knew she could do much better than that.

E quando Polly, casando contra os desejos da família (gostei de a ver rebelar-se contra a sua mãe controladora), é afastada da herança da família e ostracizada de toda a sociedade, os Montdore procuram um sobrinho afastado, canadiano: Cedric Hampton, o derradeiro herdeiro da fortuna dos Montdore após o casamento menos feliz de Polly, aparece apenas no último terço do livro, e arrebata completamente a história, tirando-a dos bailes de debutantes e levando todos os personagens a uma busca pela beleza, transformando a Lady Montdore com facelifts, dietas, massagens e roupas. Não é o serrano provinciano que esperávamos, no fundo.

Cedric arrebata a narrativa, com os seus óculos de sol, roupa de alfaiate, a forma como encanta tudo e todos e o quão vago é acerca do seu passado.

O final do livro é abrupto e quiçá desnecessariamente optimista, tendo em conta os últimos eventos, mas relembro que não há grandes acontecimentos neste livro - a vida das personagens é caótica, as festas e os bailes continuam e ninguém vai aprender nada de tudo o que se passou, da dor e da perda.

"(...) I can see you above all, in India, riding on your elephant like a goddess. How they must have worshipped you there."
"Well, you know, they did," said Lady Montdore, delighted. "They really worshipped us. It was quite touching. And, of course, we deserved it. We did a very great deal for them. I think I may say we put India on the map. Hardly any of one's friends in England had ever even heard of India before we went there, you know..."

É um livro reconfortante, é divertido, e apesar das convenções sociais a que Mitford nunca quis realmente escapar, é subversivo - tem uma personagem homossexual que tem direito ao seu final feliz e ao seu próprio amante, por exemplo. É um livro em que as personagens parecem ter tudo o que poderiam querer, excepto, talvez, senso comum, e vivem apenas pela cusquice, pelos bailes, e até a aparentemente sensata Fanny vive investida na vida destas pessoas (perante críticas do marido, note-se - ele também é um tipo de snob). Há também um momento em que Fanny decide chamar a empregada doméstica de alguém de "the slut" a partir do primeiro momento em que a vê (sem a conhecer), mantendo a alcunha ao longo de todo o livro... porque, mesmo sendo a prima pobre (e, novamente, a mais sensata), mesmo Fanny é snob, e tem as suas falhas.

Não gostei tanto deste livro como gostara de The Pursuit of Love, julgo que por Polly não ter a mesma personalidade e capacidade de cativar o leitor que Linda tinha - não é uma pessoa que pareça divertida ou interessante. Mas é um livro muito, muito bom. Volta a ganhar pontos no humor, com o Uncle Matthew e o Davey, as conversas de Jassy e Victoria (com mais destaque nesta obra que na anterior), a linguagem e o estilo.

"Nervous shock," said Davey. "I don’t suppose she’s ever had a death so near to her before."
"Oh yes she has," said Jassy. "Ranger."
"Dogs aren’t exactly the same as human beings, my dear Jassy."
But to the Radletts, they were exactly the same, except that to them dogs on the whole had more reality than people.

Fiquei com uma vontade imensa de ler os outros livros de Nancy Mitford, nomeadamente o terceiro desta trilogia (Don't Tell Alfred), para saber o destino de Fanny, mas também The Blessing, que tem personagens diferentes. Até lá (pois não possuo os livros), devo entreter-me com a biografia The Mitford Girls: The Biography of an Extraordinary Family, de Mary S Lovell.

4,5/5

Podem comprar uma outra edição em inglês aqui, ou em português aqui.

Comentários

  1. Terá sido ainda pior que "capa de gaja"? Estes homens...;-)
    Sim, sim, aquela família era um festim de controvérsias e simpatias duvidosas, segundo dizem. Quero saber os podres todos, quando leres a biografia. :-)
    Quando ler este ou o Pursuit of Love, digo-te qualquer coisa. Apesar da minha desilusão com a Pym, não perdi a vontade de conhecer autoras contemporâneas delas, como a Elizabeth Taylor, a Barbara Commyns e a Stella Gibbons.
    Paula

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    1. Foi um comentário sarcástico relativo aos gostos pessoais de uma terceira (uma rapariga que só lê aqueles romances que eu pessoalmente considero manhosos...), e é preferível colocar assim do que dizer que é "capa de livro da Pessoa X" :p

      Penso que a biografia, sendo um livro volumoso, será a minha leitura de férias de verão, se as tiver :)

      Tenho Elizabeth Taylor por ler, e li o Cold Comfort Farm da Stella Gibbons - o Cold Comfort Farm é MARAVILHOSO. Tenho review para aqui: http://barbarareviewsbooks.blogspot.com/2016/11/cold-comfort-farm.html

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  2. A Nancy Mitford está há tantoooooo tempo na minha TBR. Mas não fazia ideia que o Love in a cold climate fazia parte de uma trilogia. Vou ter de ver bem isso antes de a começar a ler.

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    1. O Love in a Cold Climate é o segundo da trilogia, mas os dois primeiros, pelo menos, podem ser lidos em separado. Mas recomendo a leitura do The Pursuit of Love na mesma, porque é brilhante! Dá algum contexto e introdução a algumas personagens, sim, e cria um "ambiente" que facilita a compreensão do segundo - não é uma sequela temporal, mas tem algumas das mesmas personagens.
      Recomendo imenso - adorei ambos os livros!

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  3. Parece-me um livro interessante! Beijinhos*

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