Há anos que estava para ler Teresa Veiga.
Há anos - a sério. Por recomendação de um amigo, cujos gostos levo muito a sério.
Não desiludiu, como eu sabia (é claro!) que não ia desiludir. Uma Aventura Secreta do Marquês de Bradomín é um pequeno livro com três contos algo longos, vencedor do Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco em 2008 (prémio que a autora já ganhara em 1992). Outros autores que já ganharam este prémio: Maria Isabel Barreno, Maria Judite de Carvalho, José Jorge Letria, Teolinda Gersão, Urbano Tavares Rodrigues, Ondjaki.... Além daquele que lhe dá o título, temos os contos As Parcas, a abrir o livro, e O maldito, Marianina e o feitiço da Rocha da Pena, para terminar.
O conto que dá título à obra passa-se na década de 1920, com um jovem que lê, na biblioteca do avô, as longas memórias em três volumes do Marquês de Bradomín, soldado, político, aventureiro, amante da arte, Don Juan da Espanha das guerras civis carlistas. Inspirado pela história, e querendo saber mais, o narrador parte para Cerveira, à casa onde o Marquês estivera durante uma semana, refugiado com uns parentes, décadas atrás.
A prima ainda sobrevivente, Edwarda, já idosa, é vaga ao receber o jovem; porém, seis anos mais tarde, decide deixar-lhe uma carta, antes de falecer, onde revela aquilo que não fora contado nas Memórias: os detalhes da estadia do Marquês na sua casa, quando Edwarda tinha 23 anos. O segredo que estragara a vida de várias pessoas, menos a do Marquês de Bradomín, cuja memória ficara imaculada, conhecida apenas por aquilo que ele escolhera publicar.
A prima ainda sobrevivente, Edwarda, já idosa, é vaga ao receber o jovem; porém, seis anos mais tarde, decide deixar-lhe uma carta, antes de falecer, onde revela aquilo que não fora contado nas Memórias: os detalhes da estadia do Marquês na sua casa, quando Edwarda tinha 23 anos. O segredo que estragara a vida de várias pessoas, menos a do Marquês de Bradomín, cuja memória ficara imaculada, conhecida apenas por aquilo que ele escolhera publicar.
É certo que eles continuaram a crescer em tamanho, beleza e inteligência, mas não era preciso muito tempo de convivência para percebermos como essas qualidades estavam mal aproveitadas. A sua alegria tornou-se estouvada e brutal, a sisudez, que também os caracterizava, um conluio de perfídias sussurradas e atitudes negligentes, preferiam Pepa e os outros criados a companhias mais exigentes e, sem razões para se apurar no vestuário e nas maneiras, poupavam nos bolsos dos meus pais mas deterioravam-se também, como acontece às mercadorias mal embaladas.
Descobri, entretanto, que o Marquês de Bradomín é uma personagem criada pelo escritor, poeta e dramaturgo Ramón del Valle-Inclán. Fiquei desde então interessada em conhecer as suas Sonatas.
O primeiro conto, As Parcas, fala sobre Francisca Arroyo, mulher rica e de boas famílias, que viera de Bragança para Lisboa, para uma casa grande e com duas empregadas, após o seu casamento com um engenheiro, um homem que subira na vida graças a amizades e cunhas, que com ela teve três filhos. Quando o engenheiro morre, Francisca fica a viver com a filha mais nova, Rita, apática, medíocre e sem objectivos concretos na vida. Um dia, Francisca abre a caixa do correio e vê um postal obsceno direccionado à filha - cujo conteúdo nunca descobrimos -, e é a partir daí que a vida de ambas muda, porque Francisca vai com a filha a Madrid, apresenta-lhe Goya e Velázquez, e parece que finalmente Rita tem interesses. Mas, infelizmente, não corre pelo melhor.
E se as parcas de Goya voavam de noite na obscuridade enluarada, estas, ainda mais assustadoras, conviviam no mesmo plano com os mortais que queriam castigar e podiam ser vistas a tramar as suas maquinações em quartos bafientos, negras cozinhas, caves imundas.
O último conto é um pouco mais macabro, e recordou-me (estranhamente) do livro de Dampyr que li no verão passado. Aqui, um octogenário convida um grupo de amigos para a sua casa na serra no Algarve, porque a construção de uma nova auto-estrada irá destruir o lugar. Carlos Sampedro conta então a história dos antigos proprietários da sua casa, Marianina, a rapariga da vila com quem o dono se casara, que encantava tudo e todos, mas não conseguia ter filhos. Até que surge um filho, feio e estranho - criança sombria e detestável - e surge um homem, Cássio, animalesco e diabólico. E Marianina acaba por lançar um feitiço sobre os habitantes do cerro... cerro esse que ninguém procura (ou ousa) abandonar.
As três histórias têm protagonistas femininas fortes, complexas, mas misturam também o fantástico e o real de uma forma misteriosa e quase imperceptível, porque a acção parece partir sempre de terceiros: em As Parcas, Francisca nunca vê a actividade das criadas; a acção do Marquês de Bradomín é-nos contada, por carta, por Edwarda, ao narrador do conto, relatando eventos do ido século XIX; e Carlos conta ao narrador do terceiro conto aquilo que lhe contaram sobre a maldição de Marianina.
Todos os contos têm um quê de assustador, um quê de imperceptível, de não-narrado (que tem de se ler nas entrelinhas). Dá vontade de ler e reler até absorver cada detalhe, cada camada obscura, cada indefinição.
Nunca li nada da autora mas fiquei curiosa.
ResponderEliminarSonha mas Realiza
Também nunca tinha lido, mas um amigo recomendou. Vale muito a pena! :)
EliminarNo ano passado, trouxe da biblioteca Gente Melancolicamente Louca e fiquei com a ideia de que tinha uma escrita competente e escorreita, porém, não me marcou muito. Os contos eram giros, mas nenhum me causou aquele impacto que me faz exclamar "ha!" ou deixar um sorriso nos lábios, como os meus contos preferidos.
ResponderEliminarSe gostar mais da Paz Doméstica que cá tenho, experimento estes que tanto apreciaste.
Paula
Compreendo a tua sensação :) não diria que me causaram impacto, mas prenderam-me muito, mesmo, de um modo que nem todos os contos conseguem. Também tenho, curiosamente, "A Paz Doméstica" por ler!
EliminarMais uma autora a conhecer :)
ResponderEliminarDeste pouco que li, desde já recomendo :)
EliminarNão conhecia, mas já entrou para a lista :)
ResponderEliminarhttps://aritateixeira.blogspot.com/
Fico a aguardar a tua opinião :)
EliminarHá alguns anos sem dúvida :p
ResponderEliminarQual foi o conto que gostaste mais?
Gosto como um conto te recordou o Dampyr :p
'Dá vontade de ler e reler até absorver cada detalhe, cada camada obscura, cada indefinição.' Irás reler em breve ou?
Sim :( e ainda tenho o outro por ler!
EliminarTalvez tenha gostado mais do último - o tal que relembra o Dampyr! Mas gostei muito do que dá o título à obra, também.
Não creio :p mas fui relendo muitos excertos e partes aquando da leitura em si!
A capa do livro é uma delícia. Tenho muita curiosidade relativamente a esta autora. Não tenho nenhum livro dela, portanto vou apontar a sugestão. 5/5 é um excelente cartão de visita para um livro. :)
ResponderEliminarTenho um amigo que ma recomenda há anos, e com boa razão!
EliminarA capa é realmente uma maravilha, como muitas da Tinta-da-China. Fora esse detalhe: há muita obra da autora em fundo de catálogo na Cotovia :)