Já será suficientemente sabido que, em viagem, gosto de comprar livros e de visitar livrarias e outros pontos de relevância literária.
Gosto de me preparar de antemão: listar autores conhecidos do país em causa, ou até da cidade (caso de Manchester, onde comprei Elizabeth Gaskell), pesquisar livrarias e locais literários, fazer umas compras. Já tinha achado esta missão algo complicada com Espanha: muitos dos autores que me apelam são da América Latina, mais propriamente, pelo que costumo optar por comprar livros em castelhano, e não necessariamente livros de autores espanhóis. Mas a Holanda foi um caso particularmente complicado.
O livro holandês mais conhecido é o Diário de Anne Frank, que já li há muitos anos e confesso não me despertar particular atenção. É muito complicado pesquisar autores holandeses, por algum motivo, e recorri à ajuda do público (no instagram). Valeu-me a Sílvia, que tem acesso a informação privilegiada, e me passou algumas dicas de autores.
Fui, então, com três livros na lista:
- The Discovery of Heaven, de Harry Mulisch
- The Dinner, de Herman Koch
- Max Havelaar, de Multatuli
Sendo que tinha vislumbrado a loja online do Museu Van Gogh e sabia que ia também querer Vincent, de Barbara Stok, uma novela gráfica sobre a vida do pintor. A minha viagem passou por cinco cidades, e apenas numa (Roterdão) não visitei qualquer livraria.
Amesterdão
Primeira nota: não visitei a Casa de Anne Frank, pelo motivo acima descrito, e este será possivelmente o principal "ponto de interesse literário" da cidade. Mas é possível visitar o anexo, comprando bilhetes online com dois meses de antecedência, se for do vosso interesse ou agrado.
A minha primeira livraria em Amesterdão não fora planeada: a Scheltema, perto da Dam (praça principal da cidade), uma livraria com cinco pisos, uma secção em inglês ainda considerável, uma secção de livros usados (algo que, vim a descobrir, é muito comum na Holanda) e um miradouro no último piso. A minha companhia nesta visita, o Flávio, que mora na Holanda há quatro anos, comentou comigo que pergunta frequentemente a holandeses o que eles liam na escola, quais os clássicos, e as respostas eram sempre vagas, confirmando as minhas suspeitas sobre literatura holandesa.
A segunda paragem foi a conhecida ABC (The American Book Center), que tem poiso em Amesterdão e Haia. Tem um toque mais pessoal do que a Scheltema, talvez - possivelmente por ser uma livraria independente. Escadas, pisos inclinados, um café (a cultura de café na Holanda é maravilhosa e apela à minha alma e vasta dependência de cafeína), e um desconto de 10% com cartão estudante ou Cartão Jovem. Comprei The Discovery of Heaven, de Harry Mulisch, que estava numa estante (reduzida, comprovando a minha investigação prévia) de Dutch Literature, e tive direito a uma revista grátis, sobre literatura, com a compra.
A paragem seguinte foi o mercado de livros usados de Oudemanhuispoort, em funcionamento desde 1879. Chegar aqui foi relativamente complexo, porque o GPS apontava para um research center bastante longe do objectivo real; este mercado de livros é mesmo no centro, perto da Universidade de Amesterdão. Não comprei nada - muitas tentanções, incluindo livros da Nancy Mitford (estava, na altura, a ler Love in a Cold Climate), do Fitzgerald, do Evelyn Waugh... o Flávio, que me acompanhou, cedeu à tentação, comprando Histories, do Tacitus, e fica aqui uma sincera censura à sua conduta consumista.
Após a visita ao Museu Van Gogh (que tem uma livraria no último piso, e onde comprei a dita novela gráfica), fui ao Rijksmuseum, onde se pode encontrar a maior e mais antiga biblioteca de história de arte da Holanda: a Cuypers Library.
Numa muito breve estadia por Amesterdão (escala), já tinha descoberto a New English Bookstore, livraria de edições descontinuadas e por isso com agradáveis descontos. Sabia, portanto, que tinha de voltar a visitar esta livraria. Estive, durante largos momentos, com The Miniaturist, de Jessie Burton, na mão, livro que achei que seria engraçado por se passar em Amesterdão, na idade dourada, mas do qual desisti, em detrimento de Liza of Lambeth, de Somerset Maugham, por me parecer mais ao meu gosto. Havia também uma selecção maravilhosa de livros da SF Masterworks, e trouxe, para o meu amor, Transfigurations, de Michael Bishop.
Há uma Waterstones em Amesterdão, no centro. Não me apelou particularmente, por ser uma cadeia inglesa (e eu queria uma experiência mais... holandesa, suponho), mas ainda espreitei. Saliento a selecção de livros sobre o século de ouro, mencionando também que nenhum livro era de autoria holandesa. Um livro em destaque nesta estante, e em destaque ao longo do país: Rapariga com Brinco de Pérola, de Tracey Chevalier.
Haia
Para Haia, tinha duas livrarias planeadas, mas acabei por visitar três. Quase lado-a-lado, a ABC de Haia e a Paagman (há duas Paagman em Haia; visitei a de Lange Poten, perto do Mauritshuis e do Parlamento) estavam na minha lista. A minha pesquisa, já agora, foi feita como "English bookstores Den Haag/Hague" ou palavras semelhantes.
Para quem quiser saber onde ver o quadro do Vermeer, já agora: no Mauritshuis, em Haia. O livro em si é fácil de adquirir, em várias línguas, em vários museus e livrarias. Na loja do Mauritshuis há imenso merch do quadro. Eu comprei umas meias.
Comecei pela Paagman, por ser a primeira tendo em conta a direcção de onde eu vinha. Achei bonita, mas pouco acolhedora. O primeiro piso era branco, imaculado; o segundo, dedicado a livros em segunda mão. A secção de livros em inglês tinha livros muito bonitos (os da Penguin de capa dura e capas maravilhosas), mas não tinha particularmente uma selecção de livros holandeses que me apelassem (não estavam na lista). Assim, e algo desiludida, parti para a ABC.
Para quem quiser saber onde ver o quadro do Vermeer, já agora: no Mauritshuis, em Haia. O livro em si é fácil de adquirir, em várias línguas, em vários museus e livrarias. Na loja do Mauritshuis há imenso merch do quadro. Eu comprei umas meias.
Comecei pela Paagman, por ser a primeira tendo em conta a direcção de onde eu vinha. Achei bonita, mas pouco acolhedora. O primeiro piso era branco, imaculado; o segundo, dedicado a livros em segunda mão. A secção de livros em inglês tinha livros muito bonitos (os da Penguin de capa dura e capas maravilhosas), mas não tinha particularmente uma selecção de livros holandeses que me apelassem (não estavam na lista). Assim, e algo desiludida, parti para a ABC.
Para referência, os livros holandeses nesta livraria:
The Penguin Book of Dutch Short Stories (tentador, confesso)
The Messenger, de Kader Abdolah
The House of the Mosque, de Kader Abdolah
The Twin, de Gerbrand Bakker
Villa des Roses, de Willem Elsschot
On The Bright Side: The New Secret Diary of Hendrik Groen, de Hendrink Groen
War and Turpentine, de Stefan Hertmans
The Two Hearts of Kwasi Boachi, de Arthur Japin
Dear Mr M, de Herman Koch
Stammered Songbook, de Erwin Mortier
The Assault, de Harry Mulisch
The Discovery of Heaven, de Harry Mulisch
Childhood, de Gerard Reve
Madame Verona comes down the hill, de Dimitri Verhulst
Joe Speedboat, de Tommy Wieringa
Little Caesar, de Tommy Wieringa
A ABC de Haia tem um aspecto mais comercial e menos acolhedor que a de Amesterdão, mas é mais atraente do que a vizinha Paagman. Tem também um segundo piso de livros usados e "bargains", e uma estante com literatura holandesa, onde procurei The Dinner e não encontrei. Encontrei, no entanto, The Following Story, de Cees Nooteboom, a 50% do preço de capa (uma rápida comparação com o Book Depository fez-me perceber que o negócio valia a pena), e a sinopse fala de um homem que acorda em Lisboa - tive de o trazer. Perguntei pelo livro de Herman Koch, e a senhora da loja indicou-me que estaria na ficção geral. Ponto extra: a senhora da caixa era brasileira e demorei imenso a aperceber-me que estava a falar em português comigo.
Encontrei, por acaso, a Stanza Bookshop, cujo aspecto me encantou: é uma livraria internacional, que vende livros em inglês, francês, espanhol, uma pequena selecção em italiano e alemão, e uma série de livros de direito internacional. Pelo que percebi, dá para encomendar livros em português. As senhoras estavam a falar em espanhol entre si, enquanto eu vislumbrava a loja. Possivelmente a mais bonita que visitei, com estantes verdes e uma apresentação muito cuidada.
Uma compra extra que aconteceu: uma UN Charter no Tribunal Internacional de Justiça (para oferecer a quem mais falta me fez nesta viagem).
Leiden
A minha estadia em Leiden foi curta, e vi apenas uma livraria, que pode, ainda assim, ter sido a minha preferida: um ambiente entre alfarrabista e loja independente, pilhas de livros usados, muitos livros novos, um senhor de alguma idade sentado a ler atrás da caixa. Comprei um postal, e não comprei mais porque, por este ponto, já tinha excedido os livros que pretendia comprar. Falo da livraria Mayflower, a regressar em futuras viagens.
Delft
Delft é mais uma cidade onde vi apenas uma livraria, outra Paagman. Vi alguns alfarrabistas, mas não tenho por hábito visitar livrarias que não ofereçam livros em inglês ou outra língua que eu fale (e não, não é o caso do neerlandês - para referência, fui visitar Oostpoort, em Delft, a pensar que era um porto. É uma porta. Passei pelo mesmo em Leiden). Esta Paagman fica entre a Oudekerk e o Prinsenhof, no centro histórico da cidade, e tem um aspecto mais acolhedor e simpático que a sua contraparte em Haia.
Já agora: Delft é a cidade onde nasceu Vermeer, fortemente mencionada no livro de Tracey Chevalier, sendo, portanto, possivelmente um dos pontos literários mais interessantes (para quem tenha gostado muito do livro, que não foi exactamente o meu caso). Existem percursos de Vermeer, com roteiros a pé para visitar certos pontos de interesse (e um centro dedicado, que não visitei).
Aprovo todo o conteúdo e viagem - incluindo não ter visitado casa Anne Frank que acho literatura sentimental - queria só deixar um pensamento para o colosso holandificado que é Spinoza (e que pode ser uma boa leitura para a próxima ida a Amsterdão).
ResponderEliminarBenedito Espinosa ficará para futura viagem, que inclua visita à Sinagoga Portuguesa de Amsterdão, embora suspeite que o seu conteúdo (do Espinosa, mais que da Sinagoga) não me vá, eventualmente, interessar por aí além :(
EliminarAcho super interessante que escolhas livros durante as tuas viagens :) Beijinhos*
ResponderEliminarÉ um "souvenir" diferente, que gosto sempre muito de trazer :) beijinhos!
EliminarAi, eu tinha-me perdido e desgraçado e empenhado com tantas livrarias! Quando fui a Amesterdão, só fui à Waterstones (na altura em que ainda se escrevia com apóstrofe!), e comprei To Kill a Mockingbird. Tudo very typical! ;-)
ResponderEliminarAcho que a visita à casa da Anne Frank vale como monumento, como símbolo, e não tanto como marco literário. Comigo, foi para aí uma hora na fila, ao frio, pois ainda não havia essas modernices de comprar com antecedência.
Há realmente cafés muito bonitos por lá, mas careiros como tudo! E não sabia dessa biblioteca maravilhosa!
Tenho a Madame Verona e The Miniaturist, mas ainda estão por ler. Então, e do Michel Faber, nada? Na volta, já o consideram mais um cidadão do mundo.
Paula
Só sou do tempo sem apóstrofe, mas a entrada ali ainda a tem! As obras não se devem ter estendido ao continente :) eu já me desgracei um pouquinho, confesso! Preciso de exercer melhor auto-controlo :)
EliminarEnquanto monumento e símbolo até compreendo, no entanto, não me apela muito a visita. Vi o prédio de fora, no entanto, e fez-me confusão ser envidraçado e, no primeiro andar, ver pessoas relaxadamente a beber café...
A biblioteca é dentro do Rijks :) quanto ao café caro, não creio que um cappuccino em Lisboa seja muito mais barato, infelizmente... E vinham sempre com bolachinha a acompanhar! Além de que os vários bolos nesses cafés eram uma perdição... Voltaria só pelos cafés!
Nunca tinha ouvido falar no Madame Verona (shame!), mas espero que o leias - ou ambos - antes de eu eventualmente regressar aos Países Baixos, para saber o que adquirir :)
Quanto ao Michel... a wikipedia, essa fonte super fiável, diz que "Michel Faber (born 13 April 1960) is a Dutch-born writer of English-language fiction". Aparentemente o senhor mudou-se para mundo anglófono logo em 1967... não sei se é por isso, mas uma pesquisa por "dutch authors" devolve alguns nomes, mas não o dele!
Oooh, a bolachinha! Do que me foste lembrar...
EliminarEntão, precisavas de combustível até à FL, que ainda está tão longe! Pronto, nem por isso, mas faz de conta. Só sei da Madame Verona porque duas ou três Booktubers estrangeiras dizem que é de fazer chorar as pedrinhas da calçada, e eu adoro um bom ugly cry nos livros! :-)
Paula
A bolachinha! Se bem que houve um sítio que, com o cappuccino, me deu pipocas (that was a first...).
EliminarEstranhamente, já estava na wishlist... mas não à da Feira que, como saberás por esta altura, é alvo de curadoria muito estrita, longa e prolongada no tempo (ou não estivesse eu a planear desde Setembro)! Estava na imensa e indomável do Goodreads, desde 2016. Demasiados livros!
Bárbara, que inveja dessas livrarias lindas! Também aprecio comprar um livro que represente o país que visitei. Li The Girl with a Pearl Earring há uns anos e gostei muito. Ouvi mixed reviews do Dinner depois diz o que achaste. Quero muito saber a tua opinião sobre o Vincent! Parece ser um livro tão fofinho *-*
ResponderEliminarAdoro Van Gogh e deve ser uma das minhas próximas leituras :) à noite, em casa... gosto de ler uma novela gráfica nesses momentos! Cobre a vida de Vincent Van Gogh em Arles, pelo que será o mesmo período do filme Loving Vincent.
EliminarEu confesso não ter adorado o da Tracey Chevalier porque a "invenção" de vidas para pessoas que existiram mesmo me faz uma certa confusão :) mas do quadro gostei muito e vale muito a pena essa visita.
Hei de chegar ao The Dinner :) também li mixed reviews, mas decidi arriscar!
É tão bom comprar um livro numa viagem, não é?
Sugestões apontadas para uma próxima viagem à Holanda! Também gosto muito de ligar o vício dos livros ao vício das viagens ;-)
ResponderEliminarSão óptimos vícios, especialmente quando dá para os conciliar :)
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