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Watchmen

Demorei demasiado tempo para ler este portento.


Aproveitei para finalmente o adquirir na Feira do Livro de 2019, quando a FNAC fez da edição inglesa livro do dia, mas só recentemente me consegui sentar e dedicar decentemente à sua leitura, que requer atenção, até por causa da sua estrutura em que, no final de cada "capítulo", há uma porção de texto corrido, documentação acessória que auxilia a compreensão da história.

Estamos nos anos 1980 de um mundo alternativo, uma História na qual Nixon é presidente de um terceiro termo, em que a invasão do Afeganistão pela URSS toma proporções ainda maiores, e há ameaça premente de guerra nuclear. Neste mundo, desde os anos 1940 que os EUA tinham super-heróis, e a visão e o papel destes fora mudando ao longo das décadas até que, em 1977, o Keene Act banira a actuação dos heróis. Mas os super-heróis/vigilantes mascarados que Watchmen nos apresenta não são os mais simpáticos - e acompanhamos um deles, Rorschach, que, com a morte do Comedian, desconfia que existe um plano para os assassinar a todos, numa altura em que a sua popularidade já tinha começado a declinar.

Once you realize what a joke everything is, being the Comedian is the only thing that makes sense.

E suponho que todo o livro seja uma forma de ver a história e o propósito dos super-heróis, o significado e a necessidade dos mesmos. Nenhum destes vigilantes é um herói a sério: Rorschach é um psicopata vingativo com problemas graves, o Comedian que atacara um outro membro do grupo e cometera vários outros crimes, o Doctor Manhattan, único personagem com super-poderes e que se desliga cada vez mais da humanidade e não acredita que esta deva continuar a existir. Nenhum deles é admirável, não é fácil gostar de nenhum deles. São aquilo que as pessoas comuns poderiam desejar ser - heróicos, a manter a lei, a salvar pessoas de situações várias -, mas não o são.

Porque o tipo de pessoas que veste um fato e vai lutar o crime, em Watchmen, não é necessariamente o tipo de pessoas que gostaríamos de ver nesse papel. Têm falhas várias, e valores questionáveis.

Yes, we were crazy, we were kinky, we were Nazis, all those things that people say. We were also doing something because we believed in it. We were attempting, through our personal efforts, to make our country a safer and better place to live in. Individually, working on our separate patches of turf, we did too much good in our respective communities to be written off as mere aberration, whether social or sexual or psychological.
It was only when we got together that our problems really started....Dressing up in costume takes a very extreme personality, and the chances of eight such personalities getting along together were about seventy-eleven million to one against.

Mas não é suposto gostarmos destes heróis. Afinal de contas, são humanos. São difíceis, rancorosos, têm motivações pessoais e políticas. Daí todas as suas falhas. Assim, quem é um herói, e quem é um vilão? É demasiado ambíguo.

Num mundo à beira de um ataque nuclear, no entanto, alguns destes personagens parecem ser uma vantagem - e quão longe podem ir para salvar a terra? Esta acaba por ser uma questão fundamental.

Vemos a mesma narrativa através de vários pontos de vista - há saltos no tempo, momentos concomitantes em volumes diferentes, saltos no espaço. A narrativa cobre gerações e um vasto elenco de personagens. E, dentro da narrativa principal, temos a história de piratas Tales of the Black Freighter (para quê ler sobre super-heróis num mundo em que estes existem? Antes ler livros sobre piratas). Os eventos deste livro interligam-se e seguem os de Watchmen, com transições brilhantes entre si, por mais difícil que pareça ligar estes dois pontos.

É difícil fazer justiça a esta obra numa review; subverte e desconstrói o género dos super-heróis, questiona a natureza hipócrita dos seres humanos (que são, também aqui, esses mesmos super-heróis). É moralmente complexo, pondo lado a lado personagens que não vêm salvação na humanidade - e como um quer, ainda assim, salvá-la, ao passo que outro simplesmente desiste. Há complexos de super-homem, há fragilidades e falhas vários.

Who makes the world? Perhaps the world is not made. Perhaps nothing is made. Perhaps it simply is, has been, will always be there... a clock without a craftsman.

É um portento.

5/5

Podem comprar esta edição na wook, na Book Depository ou na Bertrand; ou em português, aproveitem a belíssima reedição da Levoir.

Comentários

  1. Ainda hoje estive a olhar para a colecção na loja do Público, mas não é para o meu bolso.
    Já essa edição por €20 e poucos. Nada mau, para quase 500 páginas.
    Yep... muito tentador.

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    Respostas
    1. Os 12 volumes da colecção nova da Levoir incluem não só estes 12 capítulos, mas também prequelas e sequelas que foram publicadas posteriormente. É, sem dúvida, um investimento. Mas este volume também está muito bom!

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