Peguei neste pequeno livro para ver se retomava algum ritmo de leitura.
É uma belíssima obra, mas não funcionou (ainda).
Esta obra curta, de 1953, que retrata um Portugal rural pequenino, situando-se a acção na aldeia de Montouro. A narrativa abre com a demonstração do desencanto que Álvaro Silvestre tem com a pequenez da sua vida, com o casamento com uma mulher que o despreza, com o irmão que vai voltar de África numa altura muito pouco oportuna.
Esta obra curta, de 1953, que retrata um Portugal rural pequenino, situando-se a acção na aldeia de Montouro. A narrativa abre com a demonstração do desencanto que Álvaro Silvestre tem com a pequenez da sua vida, com o casamento com uma mulher que o despreza, com o irmão que vai voltar de África numa altura muito pouco oportuna.
Mais que isso: com os pecados que pretende confessar, a troco de uma eventual redenção.
O casamento de Álvaro com Maria dos Prazeres tinha sido convencionado, um casamento de interesse: ela, de origens fidalgas, de família falida, ele, pequeno proprietário rural e merceeiro.
Títulos e dinheiro, ambos interessantes, e um casamento enquanto moeda de troca.
E quando ela fez dezoito anos, o pai fidalgo, que era Pessoa , Alva e Sancho (...) negociou o casamento da filha com os Silvestres, lavradores e comerciantes: sangue por dinheiro. (...)
- Assim seja , concordou o pai de Álvaro Silvestre, compra-se tanta coisa, compre-se também a fidalguia.
O casamento dos dois tornou-se amplamente disfuncional. D. Maria dos Prazeres está apegada ao passado, ao declínio da nobreza, às mobílias, à ideia do quarto do casal que não aquece, literal ou figuradamente. Sente que tudo na sua vida é uma vergonha.
Álvaro bebe e, numa tentativa vã de dar algum sentido à vida, de salvar o seu casamento, rouba. Sente uma enorme frustração com a suposta superioridade da mulher, tem medo, acima de tudo, da mulher, do regresso do irmão, da vida que leva.
Foi com espanto que ouviu outra vez o insulto, num tom frio, quase ciciado:
- Bêbedo.
Ocorreu-lhe então esta ideia, que o gelou de pavor: quem sabe se ela não é a própria morte a insinuar-me dia a dia a miséria de viver, uma missão de Deus junto de mim para que eu entenda que tudo é passageiro e inútil e de livre vontade renuncie a tudo.
D. Maria dos Prazeres vive das aparências: assim, nega a decadência da sua família nobre, que a empurrou para aquele casamento infeliz, nega a realidade. Atraída pelo cunhado, que está nas colónias e será um oposto do marido, que julga patético; atraída também por Jacinto, o cocheiro, numa atracção que sabe estar fora do seu alcance e que não deverá passar de uma fantasia (e que é, também, motivo de vergonha).
O problema é quando o cocheiro se apercebe - e o confidencia - e Álvaro ouve. E a cobiça da patroa torna-se pública.
Apesar de a acção se parecer centrar em Álvaro e na sua relação com Maria dos Prazeres, existem outros casais na obra que retratam outras faces do amor - muitas vezes, da sua impossibilidade, seja por convenções religiosas, seja por questões de saúde, ou por ideias sociais e patriarcado. O mundo aqui retratado, e a forma como as vidas de todos estes casais se entrelaçam, dá uma sensação claustrofóbica.
A crítica social é tremenda, num cenário dramático, porém, simples e mundano. As ligeiras menções ao colonialismo, através do irmão de Álvaro, são fortes; a opressão política que se vivia à época reflecte-se, aqui, numa opressão social, que leva ao desenlace dos eventos aqui narrados; as mortes que ocorrem não são em vão, porque o povo de Montouro acaba por lutar contra o marasmo e, em vez de consentir, calando, revolta-se contra quem considera culpado.
Não será por acaso a escolha da abelha, para o título, para a metáfora que vai ser apresentada no livro, pois as abelhas são animais que vivem em comunidade, que tecem fortes relações de interdependência e colaboração. Não importa que Álvaro tenha tentado vingar-se, espiar as suas frustrações nos mais fracos; estes, juntos, revelaram-se mais fortes.
4,5/5
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