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Querida Ijeawele - Como Educar para o Feminismo

Tenho ficção de Chimamanda por ler, mas por algum motivo comecei por Querida Ijeawele.


O grande atractivo neste volume - para ter feito dela o meu ponto de início na obra da autora - é, além da temática, a sua reduzida dimensão. Na verdade, o livro é diminuto, talvez por ser como que uma carta que a autora escreveu a uma amiga que pediu conselhos sobre como criar a sua filha recém-nascida para ser feminista.

É claro que estou furiosa. Sinto-me furiosa com o racismo. Sinto-me furiosa com o sexismo. Mas recentemente apercebi-me de que me sinto mais furiosa com o sexismo do que com o racismo.
Porque na minha fúria com o sexismo sinto-me muitas vezes só.

O livro está dividido em quinze peças/conselhos práticos, cada capítulo uma sugestão ou tópico novo. Discute questões do feminismo como padrões de beleza, auto-estima, privilégio (branco ou masculino), racismo, sexismo, papéis de género, casamento, roupa, sexualidade, opressão, entre outros. Isto porque a educação não acaba na adolescência ou assim - logo, questões como o casamento têm realmente de ser abordados.

Nunca fales do casamento como uma forma de realização pessoal. Encontra maneiras de deixar claro à tua filha que o casamento não é uma forma de realização pessoal nem aquilo a que ela deveria aspirar. Um casamento pode ser feliz ou infeliz, mas não é uma forma de realização pessoal.

As sugestões de Chimamanda Ngozi Adichie são sólidas, tanto aquelas sobre educação de crianças como aquelas sobre ser-se pai/mãe, bem como a forma como aponta as típicas diferenças entre as educações de rapazes e de raparigas. Um dos exemplos apresentados é como as raparigas são educadas para ser simpáticas, para fazer os outros gostarem delas, para não iniciarem confrontos, para estarem caladas - como raparigas são educadas a aspirar ao casamento como um fim em si mesmo, ser esposa, ser mãe, tudo o resto sendo secundário.

Ensinamos às meninas a agradarem, a serem boazinhas, a serem falsas. E não ensinamos o mesmo aos meninos. Isso é perigoso. (...)
Mostra-lhe que não precisa de que toda a gente goste dela. Diz-lhe que se alguém não gosta dela, haverá outras pessoas que gostarão. Ensina-lhe que não é um mero objeto de quem se gosta ou não se gosta, é também uma pessoa que pode gostar ou não gostar.

Também importante é a forma como a autora aponta que uma criança não se faz sozinha, logo, o pai também deve ser activo na educação e cuidados da criança, em vez de relegar estas actividades como tarefas exclusivamente femininas. Há também alguns pontos sobre a cultura nigeriana, e sobre como culturas não devem ser ignoradas, por fazerem parte da vida e da herança familiar da criança.

O Chudi não merece nenhuma gratidão nem nenhum louvor especiais, e tu também não - ambos tomaram a decisão de trazer uma criança a este mundo, e a responsabilidade por essa criança pertence igualmente a ambos. Seria diferente se fosses mãe solteira, quer acidentalmente quer por escolha própria, porque "fazerem-no juntos" não seria uma opção disponível. Mas não deves ser "mãe solteira" a não ser que sejas verdadeiramente mãe solteira.

Nada do que é escrito neste livro é particularmente novo ou revolucionário, no entanto. Enquanto feminista, acho que as sugestões apresentadas pela autora são relevantes, e estão bem exprimidas - porém, já as ouvi ser colocadas (e melhor colocadas) por outras mulheres, que se debruçaram precisamente nos estudos sobre as mulheres e o feminismo.

Os pontos levantados são básicos, mas isso não faz mal. É um bom texto para quem quer aprender alguma coisa e porventura incorporar algumas ideias feministas na sua vida ou na forma como educa os seus filhos, no entanto.

Saber cozinhar não vem pré-instalado nas vaginas. Cozinhar é algo que se aprende. Cozinhar - as tarefas domésticas em geral - é uma competência da vida que tanto os homens como as mulheres idealmente deveriam ter. É também uma competência que tanto homens como mulheres podem não ser capazes de adquirir.

Pequena crítica: o livro parece um bocado genérico e forçado. Porque é moda, porque a Beyoncé aparentemente falou muito bem da Chimamanda há uns anos. Percebo a relevância de uma autora que tem tido tanta visibilidade ultimamente, mas este livro sabe a pouco, e é um pouco redundante. Especialmente por parecer considerar que a heterossexualidade é a norma e que nada mais existe...

3/5

Podem comprar esta edição aqui.

Comentários

  1. Queria! Mas queria ainda mais sugestões sobre este tema das mulheres que dizes terem escrito melhor sobre isto da educação feminista.

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    1. Expressei-me mal! Não são melhores escritos sobre educação feminista, mas melhores sobre as questões abordadas pela autora, que são, na sua grande maioria, genéricas (os rapazes não são melhores que as raparigas, as raparigas podem ter uma carreira ou podem escolher não a ter, bla bla bla) - muito desse conteúdo vi exposto ou foi-me transmitido na UMAR, e acredito que tenhas lido muito e magnífico material nesse sentido!

      De facto, em termos de educação, per se, não conheço mais nada, e talvez nesse sentido (e para quem realmente necessite de uma "primeira abordagem" ao tema), este livro seja bom. A mim, pessoalmente, não trouxe nada de novo, sabes?

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  2. Quem é a Beyonce? Ah, aquela cantora que se abana muito e é casada com um gajo completamente farsola e tem uma filha com um nome que não lembra a ninguém. Ainda não percebi como, quando e porquê passou a ser exemplo ou símbolo de feminismo para alguém, mas deve ser porque sou cota e snob. Ah ah!
    Mas, Bárbara, esta escritora já existe há muito tempo, tem uma TED Talk brilhante já com uns 10 anos, a Single Story, que é muito mais pertinente que aquilo que tem dito sobre o feminismo, até porque ela tem alguns problemas sobre o que é isto de ser mulher. O que quero dizer é que, apesar de os escritores desejarem o sucesso, não acho que devam ser descredibilizados quando o atingem ou quando são aclamados por uma bimba qualquer.
    Em relação ao livro em si, concordo totalmente, não é de novo, tem até bastantes lugares-comuns. As minhas questões preferidas foram as que citaste aqui: a do casamento e da necessidade de agradar. Acho que nessas teclas ainda se deve bater um pouco mais.
    Paula

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    1. E que agora teve gémeos e consta que fecharam o Louvre por causa dela! Aquela que canta que se gostassem dela deviam ter dado um anel... porque o casamento é importante... wait, what?! Pois. Também não sei por que motivo ela se tornou um símbolo...
      Eu não duvido das capacidades da autora - quero, e muito, ler a sua ficção, que me aguarda na estante, e acredito que ela tenha muito, e muito interessante, a dizer! Irei investigar essa Ted Talk.
      A minha opinião aqui, de facto, prende-se mesmo com este livro - para mim, que sou activista na área há mais de cinco anos, o livro trouxe de facto muitos lugares-comuns e pouco ou nada de novo. Gostei, no entanto, de facto, desses pontos, motivo pelo qual os mencionei especificamente - acho que ainda é atribuída muita importância ao casamento, mesmo quase como sonho ou objectivo de vida; e de facto há a ideia de "as meninas têm de ser boazinhas", que me irrita desde sempre. Eu não gosto particularmente de pessoas e nunca quis que elas gostassem de mim só porque sim :)

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  3. 'Porque na minha fúria com o sexismo sinto-me muitas vezes só.' por muito que se fale cada vez mais no sexismo ainda está atrás do tema racismo em termos da evolução que se tem verificado, embora com alguns retrocessos pelo caminho, é sempre assim, como um jogo; ambos são importantes claro, tal como tantos outros temas, uns terão sempre predominência sobre outros

    O que achas do casamento como realização pessoal?

    'Os pontos levantados são básicos, mas isso não faz mal.' concordo, às vezes até é melhor essa abordagem, não há ciências exactas aqui, tem de se ver caso a caso

    Gostava de ler este livro, emprestas Ba sff? Já tenho aqui muitos teus por ler eu sei, tudo a seu tempo

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    1. Emprestava com todo o gosto, mas não o tenho! :(

      É verdade, talvez porque há assuntos que vão surgindo em tempos distintos - o racismo já tem "awareness" há algumas décadas, sendo a questão do sexismo, apesar de tudo, um assunto mais recente. Pelo menos nos moldes actuais. Talvez por isso esteja ainda "atrás", que a luta seja mais solitária.

      Como realização pessoal - na questão do casamento, eu (e julgo que também a autora) não falo do amor em si, falo do casamento, enquanto cerimónia, papel assinado. Acho que o casamento não deve ser um objectivo último de realização pessoal; a vida conjugal pode ser atingida sem passar por isso. O amor, idem. Acho que há muita coisa na vida para uma pessoa só se sentir exactamente realizada mediante uma cerimónia ou um papel, mas há muitas mulheres a quem é incutido que só assim a vida valerá a pena.

      São básicos para mim, claro está, e foi por isso que não apreciei o livro tanto assim; para quem queira uma maior introdução ao feminismo em geral, creio que será uma boa aposta - nem tudo é óbvio para toda a gente.

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    2. Concordo com o factor tempo em relação aos temas sexismo-racismo, é sempre importante

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