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The Thirteenth Tale

Vi o filme disto muito por acaso há uns anos e adoro cenas góticas.


Logo, tive de comprar o livro. Por algum motivo, voltou recentemente o entusiasmo para esta leitura, e chegou finalmente a hora de lhe pegar. Havia um senão: tendo o filme bastante na memória, o plot twist estava igualmente presente. No entanto, e finda a leitura, devo dizer que isso não estragou a experiência de leitura.

Comecemos pela protagonista. Margaret Lea trabalha na loja alfarrabista do pai, e é uma jovem introvertida que adora livros e tem a hipótese (ou o privilégio) de passar bastante tempo entre livros e leituras. Margaret não é a personagem mais fácil de gostar de sempre - é enfadonha, o pai dela idolatra-a, a mãe dela parece não lhe ligar nenhuma, a vida da moça parece passar 100% pela loja do pai, sem amigos, sem vida social, sem nada que não seja livros e o pai que lhos fornece.

Mas Margaret passa pela vida um bocado como um fantasma, aparentemente apática mas na realidade presa a uma irmã gémea que nunca conheceu, que morreu à nascença, de cuja existência só soube por acaso, quando tinha tipo dez anos. Este evento acaba por impactar toda a sua vida, embora seja algo que sabe e que na verdade, nunca viveu ou experienciou. Assume-se que a mãe a culpa um bocado por ter sobrevivido, e está deprimida há mais de trinta anos. Ora bem.

Margaret gosta muito de palavras e de ler e isso é potencialmente engraçado para o leitor.

There is something about words. In expert hands, manipulated deftly, they take you prisoner. Wind themselves around your limbs like spider silk, and when you are so enthralled you cannot move, they pierce your skin, enter your blood, numb your thoughts. Inside you they work their magic.

Sonsa, insossa, insípida e unidimensional, Margaret, que só lê autores que já morreram, decide, a certa altura, começar a escrever biografias. Sobre escritores - sobre escritores com irmãos, para o paralelismo com a história da sua irmã perdida. É absurdamente difícil preocuparmo-nos com Margaret, e deixo desde já claro que, quando Margaret entra numa espécie de decadência mental, fiquei chateada porque não queria saber.

Sabem de quem eu queria saber? De Miss Winters, a mais famosa e misteriosa autora, Vida Winters que, sentindo a morte aproximar-se, decide contratar Margaret para escrever a história da sua vida.

Tell me the truth.

Perguntara, um dia, um jovem jornalista à autora. Vida, quando questionada sobre o seu passado, inventava sempre histórias mirabolantes e nunca iguais, fomentando a confusão e o mistério. Margaret fica chateada, não obstante o suposto privilégio, porque, recordemos, só lê autores mortos e Vida Winters ainda está viva... Miss Winters nunca se sentira preparada para contar a sua história, até agora.

Margaret lá se rende a um livro de Vida Winter, cujo título menciona treze contos, mas cujo conteúdo inclui apenas doze, e decide aceitar o convite. E porquê convidar a biógrafa enfadonha desconhecida para este trabalho? Precisamente pelo seu foco em histórias que envolvam irmãos. A história de Miss Winter é incomparavelmente mais interessante, e a sua narrativa enche a maioria do livro. Na verdade, a história de Margaret acaba por ser só "necessária" para ligar o passado ao presente, e desvendar um misteriozito chamado Aurelius Love. E, ainda assim, com técnicas narrativas diferentes, dava para passar sem.

Margaret Lea viaja para uma mansão na zona de York, onde a autora vive, para o seu trabalho, ainda assim com vontade de o rejeitar e impondo várias condições. A mansão é velha, opulenta, as cores ricas, os materiais pesados. Tudo nesta casa (e neste livro) evoca várias outras obras que tenta homenagear, como Jane Eyre, que é mencionado cerca de 12818923 vezes ao longo da narrativa e é o aborrecido livro favorito da aborrecida protagonista, mas também Wuthering Heights, a obra de Wilkie Collins que tenho de ler, Henry James, até mesmo Daphne du Maurier (Mrs. Winter?).

Não sei por que motivo Miss Winters aceita as condições da sua biógrafa amadora idiota - quero dizer, quem melhor que uma tonta que não quer saber, de todo, para contar a sua verdadeira história...?

One gets so used to one's own horrors, one forgets how they must seem to other people.

Depois de toda esta maledicência para com a nossa narradora, ressalvo: a história de Miss Winters é uma história de abuso, crime, negligência, sadismo, incesto, perda, doença mental, a desintegração total de uma família; uma história profundamente interessante que sofreu horrores com as intermitentes intervenções da narradora desenxabida.

Numa história dentro de uma história, Vida Winters relata a queda da família Angelfield, com os seus distintos cabelos ruivos: Charlie, o irmão estranhamente obcecado com a irmã nove anos mais nova, Isabelle; Charlie procura torturar a irmã, mas esta parece ter prazer nas brincadeiras sádicas do irmão. Mais tarde, as filhas de Isabelle, as gémeas Adeline e Emmeline, têm comportamentos bizarros, quase animais. Uma é agressiva, a outra passiva - têm a sua própria linguagem, e são inseparáveis. Outras personagens da mansão são Missus, a empregada já idosa, e John-the-Dig, o jardineiro. A certo ponto, uma governanta, Hester Barrow, é contratada, na senda da Missus, determinada em domesticar as garotas - mas, ao contrário de Jane Eyre, ou da empregada em The Turn of the Screw, não chega a conhecer Charlie, não se apaixona por ele. Quando esta governanta, ajudada pelo médico da aldeia, decide fazer "experiências" com as gémeas, começa uma espiral de mudanças nas relações destas. E entra um fantasma.

Há mistérios dentro de mistérios, e um deles é a identidade de Miss Winters, no meio desta história - passando de pronomes "they" para "we" para "I". É com esta biografia (e com a sua morte) que Vida pode divulgar o 13º conto, aquela que seria a sua história pessoal, a história da sua vida - e que nunca pudera ser terminada, contada, porque Vida nunca tivera a sua própria vida. O famoso conto, o conto final.

Adorei o mistério, adorei a verdade, embora já a soubesse dado já ter visto o filme. Se ignorarmos a Margaret, a leitura é fácil, fluída, o livro é maravilhoso, o ritmo a que se desenrola tudo é correcto. Apesar da pouca originalidade - as obras homenageadas são, afinal de contas, referidas ao longo da narrativa -, o mistério é muito bom, é dark o suficiente. O que desilude imenso neste livro é a narração-dentro-da-narração, porque a Margaret é péssima, e eu preferia que essas páginas tivessem tido mais do psicológico das personagens, das suas motivações, das suas paixões... Charlie e Isabelle, Emmeline e Adeline eram muito mais interessantes e credíveis.

Politeness. Now there's a poor man's virtue if ever there was one. What's so admirable about inoffensiveness, I should like to know. After all, it's easily achieved. One needs no particular talent to be polite. On the contrary, being nice is what's left when you've failed at everything else. People with ambition don't give a damn what other people think about them.

A temática dos gémeos é muito forte ao longo do livro: a psicologia, a ligação inerente, as relações fortes... não adorei esta parte, a ideia de almas partilhadas, sentimentos de amputação, mas posso voltar a falar mal da Margaret? Ela é tão egoísta, egocêntrica, que compara a morte da irmã que nunca conheceu à morte da irmã com quem Vida Winters passou setenta anos da sua vida. Setenta! Margaret é tão obcecada com a morte da irmã, Moira, que não se consegue sequer ver ao espelho sem chorar - torna-se insuportável e é impossível sentir empatia para com ela. Há um momento horrível e absurdo no final do livro no qual Margaret é visitada pelo fantasma da irmã - e isto não encaixa num livro que ofereceu explicações lógicas para tudo o que acontecera antes.

Acrescento, já agora, que o último capítulo é desnecessário e péssimo e é por isso que a classificação é...

4/5

Podem comprar uma outra edição em inglês aqui, ou em português aqui.

Comentários

  1. Fui eu que me precipitei a ler ou chamaste "aborrecido" ao Jane Eyre? Lá que é sobrevalorizado, é... E lembraste-te do De Winter; bem apanhado!
    Não tenho especial apreço por livros sobre livros e escritores, mas sei que um dia vou lê-lo, apesar de já ter visto o filme, porque já o tenho e toda a gente diz que a escrita é excelente. Como não acredito no sobrenatural, o meu cérebro analítico entrou em ebulição e detectei o segredo da história muito cedo, mas admito que está muito bem conseguida.
    Sabes que a Setterfield editou agora um novo livro? Once Upon a River. E está a receber boas críticas.
    Paula

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    Respostas
    1. Assumo sem problemas que o Jane Eyre aborrece-me profundamente, embora lhe reconheça valor. A Jane é sonsa, insossa, tal como a protagonista deste (não admira que a adore).
      Também não sou pessoa com especial apreço por essas leituras, sendo que gostei do filme deste pelo mistério gótico todo. Também não acredito no sobrenatural (embora esteja disposta a aceitá-lo em ficção), mas a história aqui vale. O segredo é bom!
      Não fazia ideia :) hei de pesquisar. Obrigada!

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  2. Li este livro há uns anos e recordo-me de que gostei imenso, sobretudo da escritora que, sim, traz vida e frenesim à narrativa! Já não me recordo se achei o último capítulo desnecessário... Até me apetecia reler a obra só para comprovar isso ;)
    Vou ficar de olho no novo livro dela que a Paula diz estar a receber boas críticas!

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    1. Adorava que o metesses na tua lista de releituras para saber o teu crivo sobre o assunto "último capítulo" :)

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  3. Bem esta foi das tuas reviews mais emocionais ou não? Foi o que me transpareceu; e isso deu-me vontade de ler um dia o livro, apesar dos teus sentimentos para com a Margaret!

    Gostei muito desta citação:
    'There is something about words. In expert hands, manipulated deftly, they take you prisoner. Wind themselves around your limbs like spider silk, and when you are so enthralled you cannot move, they pierce your skin, enter your blood, numb your thoughts. Inside you they work their magic.'

    'E entra um fantasma.' ahah foi inesperado para mim

    Gostei deste post, tem um toque mesmo muito teu

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    1. Emocional? :o porquê? :o
      Haha, sem a Margaret o livro ficaria muito melhor, porque ela é uma péssima protagonista e rouba a luz do palco da Vida Winters!

      O livro é bom, recomendo :p

      :$$ obrigada

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    2. Foi a ideia com que fiquei, ao falares da Margaret p.ex., de forma tão viva, viveste bastante o livro e ainda bem, tu nunca escreves só o que acontece mas o que te isso fez sentir e gosto muito disso e neste post isso é muito perceptível eu acho :p

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    3. Oh, obrigada :$ A Margaret é uma péssima personagem e o livro não perdia nada sem ela, apesar de ser a narradora, eu acho :p

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