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O retrato de Ricardina

Confesso que gosto de ler Camilo.


Quase parece sacrilégio dizer isto - os seus livros são apodados de dramalhão de fazer cortar os pulsos, mas é precisamente disto que eu gosto. Há que ir preparado, suponho, e acredito que estes enredos, adaptados a dias modernos, fariam telenovelas de sucesso.

E eu gosto de drama digno de telenovela, se para aí estiver virada, e souber ao que vou. Acho que entretém qb, e eu numa leitura gosto, acima de tudo, de entretenimento.

À terceira leitura de Camilo Castelo Branco (vejam-se as anteriores, Amor de Perdição e Maria Moisés), sinto-o formulaico. Amor proibido, coincidências várias (muito fortes, n'O Retrato de Ricardina), drama de bradar aos céus. Aqui, acrescido à fórmula comum do entrave socioeconómico para o amor jovem (mais que rivalidade familiar), temos uma dose forte de hipocrisia.

O primeiro capítulo revela logo que o abade Botelho de Queirós, proveniente de ricas famílias, basicamente raptara Clementina, e tivera com ela duas filhas, Eugénia e Ricardina. Não obstante ser abade, era chefe de família fidalga - sem nunca ter casado ou passado o seu nome às suas filhas. Percebemos logo aqui o que o dinheiro e a posição social haviam permitido àquele homem manter a sua profissão e a sua dignidade; já Clementina, também de família rica, viu-se exposta ao ridículo, como pecadora, de nome manchado, repudiada pela família.

"Não as viste já passar aí a cavalo com tanta gente ilustre a acompanhá-las? Vinham mostrar-se, para que eu as invejasse e tivesse pena e vergonha de mim... Tive, filha, tive pena e vergonha."

Anos volvidos, o abade tenta arranjar o casamento das filhas com os primos maternos, para tentar elevar o estatuto da sua família. Clementina tem vergonha; Eugénia aceita; Ricardina, apaixonada pelo filho do vizinho novo-rico, Bernardo Moniz, diz que não pretende casar sem amor. O pai impõe-lhe, ou o casamento, ou a clausura.

Ricardina escolhe a clausura, mantendo correspondência com Bernardo. Clementina vai com ela, procurando a redenção (e o refúgio à repressão conjugal). Segue-se um conjunto de momentos hipócritas por parte do abade, coincidências várias, dilemas causados pela luta entre D. Miguel I e D. Pedro IV, gerações de mulheres discriminadas e sem direitos legais.

Diria que é um Amor de Perdição com final feliz, mas poder-se-á chamar "feliz" a um final que nos traz o diálogo que se segue?

- Quando deixaremos de chorar, Ricardina?
- Só não choram os que morrem... - respondeu ela.


4/5 dramalhão!

Aparentemente esgotado? Tentem alfarrabistas.

Comentários

  1. Eu do Camilo não gostei nada no secundário, nem do Júlio Dinos, mas não posso criticar quem gosta, porque fiquei fascinada com Alexandre Herculano, que toda a gente achava execrável. Achei-o gótico e sombrio e mal sabia que havia de ser esse um dos géneros de literatura que se haveria de manter nas minhas preferências.
    Paula

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    Respostas
    1. Confesso ainda não ter lido Júlio Dinis, mas está na calha (e na estante). O Herculano está na estante também - o Eurico é gótico e sombrio? :) também aprecio esse género!

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    2. Fiz um mini-binge na altura, com o Bobo e o Monge de Cister e é essa a sensação que recordo.
      Paula

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    3. Esses não possuo. Estou curiosa!

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